Women on Waves e o seu navio Borndiep - Intimação para proteção de Direitos, Liberdades e Garantias à luz do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra
Os requerentes (capitão do navio “Borndiep”,
vários cidadãos holandeses, fundação “Women on Waves”, associação “Ação jovem
para a paz”, associação “Clube Safo”, associação “Não te prives”, associação “UMAR”)
intentaram contra o Ministério da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar um
processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
pedindo a este tribunal que “conceda autorização de entrada em águas territoriais
portuguesas e atracação no porto da Figueira da Foz” ou “a intimação dos réus,
através do órgão competente, a conceder em prazo a determinar, a autorização de
entrada em águas territoriais portuguesas e de atracação no porto da Figueira
da Foz”.
Dos
factos
A associação “Women on Waves” promove o
debate sobre saúde reprodutiva e presta serviços de informação e esclarecimento
na área de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de prevenção para
gravidezes indesejadas. Convidou o navio “Borndiep” para se deslocar até ao
porto da Figueira da Foz, encontrando-se fundeado na zona contígua portuguesa
ao logo do mencionado porto. Foi pedida autorização ao Instituto dos
Transportes Marítimos do Centro autorização de entrada e atracagem no porto da
Foz. O Secretário de Estado dos Assuntos do Mar emite um despacho do qual se
retira que “existem fortes indícios, formados a partir de notícias surgidas na
comunicação social nacional e internacional de que o navio Borndiep,
transportando elementos de uma organização intitulada “Women on Waves”,
pretende atravessar o mar territorial português com destino a um porto nacional
para praticar, no todo ou parte” condutas como a distribuição de produtos farmacêuticos
não autorizados pelas autoridades portuguesas, provocar ou incitar a prática de
atos ilícitos no ordenamento jurídico português. Foi, então, negado o pedido de
autorização de passagem do navio pelo mar territorial português. Da factualidade
dada como provada retira-se que a intenção da associação Women on Waves era
levar no navio mulheres com intenções de abortar, sabendo que a prática
abortiva não é permitida no seu país (como era o caso de Portugal) para, então,
“ajudar de uma forma legal e segura”. Dizia a associação que a lei holandesa
(que permite o aborto) aplica-se a bordo de um barco holandês a partir do
momento em que este entra em águas internacionais. Assim sendo, a bordo do
navio as mulheres poderiam abortar, com a ajuda dos membros da associação.
Do
direito
Os réus defenderam-se por exceção, pugnando
pela verificação de certas questões prévias, a saber: da incompetência territorial
do tribunal para conhecimento de ambos os pedidos formulados; da ilegitimidade
passiva; da impropriedade do meio
processual, por ser possível e suficiente ao presente caso o decretamento
provisório de uma providência cautelar.
Em especial quanto à última exceção
invocada, concluiu o tribunal no sentido de que as providências cautelares têm natureza
instrumental, visam acautelar o efeito útil de uma decisão a ser proferida numa
ação principal, e não deverá, por isso mesmo, esgotar o conteúdo da decisão a
ser proferida em ação principal. No caso concreto, não resulta que pudesse ser
decretada uma providência cautelar pois sendo o pedido principal o da concessão
de autorização de entrada e atracagem do navio em causa num porto português, a
mesma nunca poderia ser concedida como medida cautelar, já que com ela os
autores obteriam o deferimento da sua pretensão principal.
Dão-se como improcedentes as exceções
invocadas pelo que cumpre conhecer do mérito da intimação.
Os autores alegam que a não obtenção de
autorização para entrada e atracação do navio no porto da Foz, com o
consequente impedimento da entrada e atracação pretendidas, constituem violação
dos direitos fundamentais à informação, à reunião, à manifestação e à liberdade
de expressão. Mas o exercício dos mencionados direitos não é ilegítima ou
infundadamente impedido ou limitado, por via da não concessão da autorização
pretendida. Nos termos do artigo 109º nº1 do CPTA “a intimação para proteção de
direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de
uma decisão de mérito que imponha à administração a adoção de uma conduta
positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício em
tempo útil de um direito, liberdade ou garantia”. A emissão de uma autorização
de entrada e atracação do navio “Borndiep” no porto da Figueira da Fox que
permita a realização das atividades constantes do programa oficial previsto não
é indispensável para assegurar o exercício daqueles direitos fundamentais de
expressão, informação, reunião e de manifestação dos autores; é sim pretendida
para que se possibilite às mulheres portuguesas que o solicitaram e pretendam o
início de procedimentos abortivos a bordo daquele navio.
Conclusão
Considera-se não ser indispensável para assegurar o exercício daqueles direitos
fundamentais a concessão de autorização de entrada e atracação do navio, ao
abrigo do artigo 109º/1 do CPTA, indeferindo os pedidos formulados.
NOTAS
BREVES AO ACÓRDÃO
1. Este caso foi um dos primeiros a julgar
este tipo de processo, pelo que se compreende uma dificuldade em proferir decisão
em tempo curto.
2. O tipo de processo escolhido pelos
autores foi o de processo urgente autónomo de natureza intimatória – processo de
intimação para a proteção de Direitos, Liberdades e Garantias (artigos 109º e
seguintes, CPTA). Este tem em vista a urgente obtenção de uma pronúncia
definitiva de condenação da Administração na prática ou na abstenção de uma
dada conduta ou na emissão ou revogação de atos administrativos.
3. A referida intimação pretende concretizar
o artigo 20º nº5 da CRP segundo o qual “para a defesa dos direitos, liberdades
e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e
em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
4. Assim, sempre que haja sério perigo de
lesão ou início de lesão de direitos, liberdades ou garantias, o cidadão pode
socorrer-se do processo intimatório para solicitar ao Tribunal a condenação da
Administração ou do particular lesante na prática ou abstenção de atos
jurídico-administrativos ou de operações materiais.
5. O recurso a este meio processual urgente
só é admissível quando se justifique a célere emissão de uma decisão de mérito
como único meio de assegurar em tempo útil o efetivo exercício dos direitos,
liberdades e garantias pessoais ou para evitar a sua inutilização.
6. São pressupostos da intimação: (1) sério
perigo de iminência e/ou início de lesão; (2) irreversibilidade dessa lesão.
7. Foi utilizado corretamente o mecanismo
processual, não sendo aplicável ao caso o artigo 131º CPTA respeitante ao “decretamento
provisório da providência” (como resulta da exposição de direito do acórdão).
Vera Manoel
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