We Have A Problem


Tendo a administração competência para emitir normas regulamentares, a garantia da tutela jurisdicional efetiva constante do artigo 268.º da Constituição não deixou de exigir, no seu n.º 5, a consagração pelo legislador ordinário de mecanismos processuais que permitissem aos cidadãos impugnarem esse tipo de normas quando dotadas de eficácia externa lesassem os seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Assim, no artigo 72.º do CPTA previu-se a possibilidade de se obter a declaração de ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de atos respeitantes ao procedimento de aprovação dessas normas, excluindo aquelas que contrariem as leis referidas no n.º 1, do artigo 281.º, da Constituição, pois, relativamente a estas, a declaração de ilegalidade é da competência do Tribunal Constitucional.
A causa de pedir nestas ações é a contradição da norma regulamentar impugnada com uma lei, designadamente com a lei regulamentada, ou a violação das leis que regem o processo de aprovação das normas impugnadas.
No artigo 73.º do CPTA prevê-se a possibilidade de ser declarada a ilegalidade de normas imediatamente operativas com força obrigatória geral, assim como a possibilidade dessa ilegalidade ser apenas conhecida a título incidental, a propósito da impugnação de um ato praticado a coberto da norma ilegal. 
Assim, no n.º 1, do artigo 73.º, prevê-se a possibilidade de se pedir a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral de norma imediatamente operativa, podendo deduzir esse pedido, a pessoa que seja diretamente prejudicada pela vigência da norma ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo, independentemente da prática de ato concreto de aplicação; o Ministério Público; por pessoas e entidades nos termos do n.º 2 do artigo 9.º; e pelos presidentes de órgãos colegiais, em relação a normas emitidas pelos respetivos órgãos. Neste caso, a sentença declara com força obrigatória geral o regulamento que tem como consequência o seu afastamento da ordem jurídica e os efeitos previstos no artigo 76.º do CPTA.
O Ministério Público tem o dever de recorrer destas sentenças quando não seja ele o Requerente (artigo 73.º, n.º 4).
Já no n.º 3, do mesmo artigo 73.º, relativo à impugnação de normas cujos efeitos não se produzem imediatamente, mas só através de um ato administrativo de aplicação, a sua ilegalidade pode ser conhecida, a título incidental, na ação de impugnação do ato de aplicação dessa norma, proposta pelo lesado ou pelo Ministério Público ou por qualquer das pessoas e entidades referidas no artigo 9.º, n.º 2.  Nesta situação o tribunal limitar-se-á a desaplicar a norma ilegal.
Face à diferença de regime entre as previsões constantes do n.º 1 e do n.º 3, do artigo 73.º interrogamo-nos em que medida é que a existência de um ato que aplica a norma, é diferente da que se encontra já prevista no nº 1, uma vez que aí se confere legitimidade àqueles que possam vir a ser lesados no futuro. Na verdade, se o particular que pode vir a ser afetado por um ato futuro pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral dessa norma porque é que o particular que  viu concretizada essa ameaça apenas pode suscitar a sua desaplicação no caso concreto ?
 E no n.º 2, do artigo 73.º, do CPTA, numa opção incompreensível do legislador, prevê-se que quem seja diretamente prejudicado ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo pela aplicação de norma imediatamente operativa que incorra em qualquer dos fundamentos de ilegalidade previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa possa obter a desaplicação da norma, pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso.
O legislador lembrou-se de permitir que a invocação das situações que permitem ao Tribunal Constitucional declarar uma norma ilegal com força obrigatória geral também permitam aos tribunais administrativos conhecer da mesma ilegalidade, mas com efeitos circunscritos ao caso concreto.
E no n.º 4 do mesmo artigo, veio consagrar-se de generalização do juízo de ilegalidade efetuado nas situações de desaplicação previstas nos n.º 2 e 3, devendo o Ministério Público promover uma declaração com força obrigatória geral quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua ilegalidade, devendo a secretaria remeter ao representante do Ministério Público junto do tribunal certidão das sentenças que tenham desaplicado, com fundamento em ilegalidade, quaisquer normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo ou que tenham declarado a respetiva ilegalidade com força obrigatória geral (artigo 73.º, n.º 5). 
Apesar de se procurar um paralelismo com o regime constitucional, o legislador esqueceu-se que, nos casos do n.º 3, não estamos perante três julgamentos de ilegalidade, mas apenas perante três apreciações incidentais.  
Com a introdução do mecanismo de controle da legalidade de normas regulamentares constante dos n.º 2 e 3, do artigo 73.º, do CPTA, o legislador estabelece uma confusão entre o meio processual de impugnação de normas com fundamento na sua ilegalidade, com a apreciação incidental da sua ilegalidade. Uma coisa é determinar a ilegalidade de uma norma, o que a exclui da ordem jurídica, e outra é não aplicar essa norma apenas ao caso concreto. No artigo 73.º do CPTA, o legislador confunde estas duas realidades. 
Em abstrato, há a possibilidade de apreciar incidentemente a ilegalidade de  regulamento relativamente a um ato administrativo (ato este que  concretiza o regulamento, podendo desse modo apreciar-se incidentalmente a ilegalidade do regulamento), mas coisa diferente é usar uma ação administrativa para declarar a ilegalidade do regulamento (neste caso o objeto do processo já é a norma regulamentar e não o ato que a aplica). 
No artigo 73.º, n.º 2, do CPTA, o legislador resolveu “misturar”, sem razões nem vantagens, o regime da declaração de ilegalidade de normas regulamentares do CPTA, com o regime de fiscalização abstrata da constitucionalidade e ilegalidade previsto no artigo 281.º da Constituição, mais especificamente com a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, procurando construir uma ponte com a realidade constitucional, o que neste caso não tem qualquer sentido. Assim, em situações em que se conhece a título principal da ilegalidade da norma, a mesma é circunscrita paradoxalmente ao caso concreto, como sucede aquando do seu conhecimento incidental.
Tal como a nave espacial Apollo 13, o artigo 73.º do CPTA tem sérios problemas.

            Pedro Mariano 140114033

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