Contencioso dos Procedimentos de Massa – Breve Reflexão e Traços Gerais do Processo
Contencioso
dos Procedimentos de Massa – Breve Reflexão e Traços Gerais do Processo
O Código de Processo nos Tribunais
Administrativos previu no seu título III um conjunto de processos que atenta a
sua natureza e as questões discutidas deveriam ter a natureza urgente, de modo
a que se consiga obter num menor curto espaço de tempo possível uma decisão
final sobre o mérito da causa. Neste grupo de processos encontramos aqueles que
respeitam ao contencioso eleitoral (eleição de órgãos na administração
pública), aos procedimentos de formação de contratos públicos, as intimações,
tanto para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de
certidões e por último o contencioso relativo aos procedimentos de massa, sobre
os quais nos vamos debruçar neste texto.
No que respeita ao contencioso de
massas, o mesmo encontra-se previsto no artigo 99º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, começando o nº 1 desse preceito por dispor que: “Para os efeitos do disposto na presente
secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso
dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende
as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de
procedimentos com mais de 50 participantes nos seguintes domínios: a) Concurso
de pessoal; b) Procedimentos de realização de provas; c) Procedimentos de recrutamento.”
O preceito legal supra citado estabelece
o âmbito de aplicação do instituto processual em estudo, uma vez que o mesmo
apenas e só se aplica aos processos em que se verifique que existem mais de 50
participantes e desde que estejamos perante uma relação em que haja uma
multiplicidade de sujeitos a gerar o conflito o que ocorre nas situações
enumeradas nesse preceito legal, nomeadamente nos concursos para admissão de docentes
nas escolas, tão badalados anualmente na comunicação social ou o contencioso
relativo aos exames nacionais do ensino secundário essenciais para a
candidatura à faculdade. Ora, como bem se entende através dos exemplos agora
apresentados, justifica-se a urgência do procedimento neste tipo de matérias
uma vez que a submissão destas questões a um processo com a tramitação comum
traduzir-se-ia em inúmeros danos para os particulares. O que seria se a decisão
sobre o concurso de docentes demorasse quatro ou cinco anos a ser tomada,
ficariam as escolas sem professores nesse período? E relativamente aos exames
nacionais, não poderiam os alunos candidatarem-se à faculdade durante o período
em que decorresse o processo, sabendo que em muitos casos os processos se prolongam
por vários anos? Como é evidente, estamos aqui perante situações que pela sua
relevância social merecem ser qualificadas como urgentes sob pena de se virem a
causar prejuízos graves e injustificados aos particulares.
Este meio processual surge na sequência
da reforma do contencioso administrativo de 2015, pelo que estamos perante um
instituto processual jovem que vai dando as primeiras provas, o que leva a que
na doutrina ainda se discuta a sua admissibilidade ou não.
A primeira grande questão que é
suscitada prende-se com a diferenciação que o legislador faz em relação ao
número de participantes, 50 participantes, tendo entendido que este seria um
número razoável para permitir a urgência do procedimento. A análise do número
de participantes no processo tem de ser feita em paralelo com o artigo 48º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Ora, o referido preceito
legal veio prever uma espécie de urgência – processos com andamento prioritário
– em determinadas circunstâncias, nomeadamente quando num mesmo tribunal sejam
intentados mais de 10 processos que digam respeito à mesma relação jurídica
material ou que sejam suscetíveis de decidir com base na aplicação da mesma
norma a situações de facto do mesmo tipo.
Ora, o legislador processual, já previu
o andamento prioritário dos processos quando os mesmos aproveitem a mais de dez
interessados, tendo vindo agora prever um processo urgente quando estejam em
causa mais de 50 participantes, o que levou um professor de direito a
distinguir os processos de massa (artigo 99º Código de Processo nos Tribunais
Administrativos) e os processos de massinha (artigo 48º, nº 1 Código de Processo
nos Tribunais Administrativos), atenta a distinção entre ambos se fundar no
número de participantes, num caso 50 e noutro 10.
A opção do legislador por aplicar o
processo de massas apenas quando estejam em juízo 50 participantes pode
levantar questões de igualdade, mais concretamente de desigualdade, uma vez que
se introduz aqui uma dimensão aleatória em processos materialmente idênticos,
por exemplo quando num participem 49 sujeitos e noutro 51.
Tal desigualdade poderia ter sido colmatada
se o legislador em vez de ter determinado um critério tão rígido ao fixar um
número concreto (neste caso 50) tivesse previsto uma cláusula aberta em que fosse
concedida uma margem ao julgador, nomeadamente se tivesse referido aos
processos em que pelo elevado número de participantes se justifique o andamento
urgente.
Assim, propõe-se uma alteração de
redação da norma do artigo 99º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, a qual deixa de fazer referência a qualquer valor: “Para os efeitos do disposto na presente
secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso
dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa
compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos
no âmbito de procedimentos em que pelo elevado número de participantes se
justifique o andamento urgente nos processos, nos seguintes domínios (…)”.
A nova redação dada à norma elimina as
desigualdades resultantes da fixação restrita e concreta de um número fechado
de participantes, dando possibilidade ao julgador de determinar quais os
processos que atento o número elevado de participantes devem ser considerados
urgentes. É claro que a norma redigida desta forma têm de ser interpretada
conjuntamente com o artigo 48º uma vez que não faria sentido aplicar o regime
do contencioso dos procedimentos de massa a processos com menos de 10 participantes
sob pena de aí se estar a subverter toda a lógica processual administrativa.
Encerrada a discussão sobre o número de
participantes fixado no artigo 99º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, cumpre verificar quais as consequências do processo ser
qualificado como urgente. Nos termos do artigo 36º, nº 1, al. b) Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, os procedimentos de massa têm natureza
urgente. A natureza urgente do processo traduz-se, em geral, nas seguintes vicissitudes
(artigo 36º do Código de Processos nos Tribunais Administrativos):
· Os
processos urgentes e respetivos incidentes correm em férias, com dispensa de
vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional (artigo 36º, nº 2, primeira
parte Código de Processo nos Tribunais Administrativos);
· Os
atos da secretaria são praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer
outros (artigo 36º, nº 2, segunda parte Código de Processo nos Tribunais
Administrativos);
· O
julgamento dos processos urgentes tem lugar com prioridade sobre os demais logo
que os processos estejam prontos para decisão (artigo 36º, nº 3 Código de
Processo nos Tribunais Administrativos);
Em especial, no que respeita concretamente ao
contencioso dos processos de massa, a urgência traduz-se em (artigo 99º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos):
· O
prazo de propositura das ações é de um mês (artigo 99º, nº 2 Código de Processo
nos Tribunais Administrativos);
· Quando
sejam propostas várias ações às quais seja possível aplicar os pressupostos da
coligação e cumulação de pedidos, os processos são objeto de apensação
obrigatória ao processo que tiver sido intentado em primeiro lugar (artigo 99º,
nº 4 Código de Processo nos Tribunais Administrativos);
· Os
prazos de tramitação dos processos são mais curtos do que nos restantes casos (artigo
99º, nº 5 Código de Processo nos Tribunais Administrativos):
o
Contestação – 20 dias;
o
Decisão do Juiz – 30 dias;
o
Restantes casos – 10 dias;
Em suma, o contencioso dos procedimentos de
massa é essencial para a tutela em tempo útil de determinados litígios que se
estabelecem com a administração sob pena de daí resultarem danos irreparáveis.
Não obstante, este meio processual ao ter fixado taxativamente o número mínimo
de participantes merece censura uma vez que deixa de fora outras situações que
merecem igualmente uma tutela urgente, a qual se traduz naturalmente na obtenção
célere de uma decisão sobre o mérito da causa, sendo essa celeridade conseguida
através da fixação de prazos processuais mais curtas, como sucede neste caso.
Pedro Paulino, 140 114 018
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