To be or not to be: A ação administrativa única
No
modelo
constitucional de 1997 estabelecia-se uma nova realidade ao nível do
contencioso. O novo cerne da justiça administrativa passam a ser os direitos dos
particulares e o juíz goza de novos poderes: condenatórios, declarativos e anulatórios. No âmbito da acção declarativa e das providências cautelares, o juíz
tem a plenitude dos poderes face à administração.
Assim sendo,
quanto aos meios processuais, o legislador poderia ter seguido dois modelos
tendo em conta o direito comparado.
Segundo o modelo alemão, a técnica a adoptar
consistiria em criar diferentes meios processuais que se distinguem em razão do
pedido e fornecem uma tutela completa dos particulares, prosseguindo uma lógica
de processo civil em que a cada direito corresponde uma acção. Esta realidade
origina um desmembramento de meios processuais, sendo que cada meio tem pedidos
especiais. Este é um modelo que aproxima o processo administrativo do processo
civil. Esta solução permitiria assim a cumulação de pedidos e a comunicabilidade
entre meios processuais.
Segundo um
modelo francês, ou pelo menos mais latino (modelo italiano, espanhol,
português), o que se faz é concentrar num único meio processual, ou num número
reduzido destes, toda a tutela dos direitos dos particulares, permitindo assim
que os meios processuais possam conceber todos os pedidos.
Na versão de
2004, o legislador tinha criado dois meios processuais, sendo estes a ação
administrativa comum e especial.
Mais tarde,
ambas se concentraram numa única acção: a acção administrativa (artigo 1º e
ss e artigos 37º e ss). Apesar desta alteração, o sistema português
continua a estar dividido em numerosas sub-acções, mesmo que aparente ter só
uma.
No artigo 1º
do código de processo, o legislador vem estabelecer um conjunto de regras que
consagram uma tutela jurisdicional efectiva, segundo o modelo que parte da CRP
nos seus artigos 278º/4 e 5. O legislador cria então um meio processual a que
chama acção administrativa.
O artigo 2º
estabelece o direito a uma decisão equitativa num prazo razoável, decisão esta
que resulta de um processo declarativo, executivo ou de tutela cautelar
(antecipatória e conservatória),
No entanto, o
legislador acrescentou no artigo 7º a promoção do acesso à justiça (material),
não como um conjunto de formalidades, mas sim de regras processuais relativas a
pronúncias de mérito da causa.
Quando o
legislador desdobra esta tutela jurisdicional efectiva em vários tipos de
pedidos percebe-se como, nestas acções administrativas que criou, o que vai
acontecer é que cada acção vai corresponder a pedidos diferenciados. Se olharmos
para enumeração artigo 2º/2, fala-se de anulação e declaração de nulidade
(sentença declarativa), pedidos condenatórios, declarações de ilegalidade de
regulamentos (que parecem de simples apreciação, mas o legislador não está a
caracterizar o pedido, mas sim a considerar uma realidade de declaração de
ilegalidade de normas), pedido condenatório, simples apreciação, intimação (processos
condenatórios urgentes).
O problema é
que o legislador cumula a diferenciação processual com a qualificação
substantiva, distinguindo os pedidos em relação às formas de actuação
administrativa. Isto estava já expresso no texto de 2004 e o legislador ainda dele
não se libertou.
Isto porque
hoje em dia parece haver acções unificadas, mas o legislador acaba por criar
regras processuais diversificadas consoante os diferentes pedidos. Isto
introduz uma distorção num código de processo em que as distinções de acções
devem assentar apenas em qualificações materiais ou processuais e não de
carácter substantivo.
Antes desta
versão, o legislador estabelecia o contencioso como via geral para todos os
pedidos genéricos que coubessem no quadro daquele meio processual e que
correspondessem a uma lógica de generalidade. Simultaneamente havia acções especiais,
alicerçadas num critério substantivo que era o das formas de actuação
administrativas (actos administrativos e regulamentos). Isto gerava problemas
relativamente à distinção entre acção geral e especial, que era uma distinção
que correspondia à lógica tradicional de criar um contencioso privativo de actos
e regulamentos. Esta realidade não era efectivamente concretizada porque o
legislador permitia que nas acções comuns e especiais fossem feitos todos os
pedidos e resultassem deles todo o tipo de sentenças, sendo isto um pouco
contraditório. Outro problema que resultava desta realidade é que o contencioso
seria, desta forma, visto como um conjunto de excepções ao processo civil. Isto
porque o legislador remetia as acções gerais para o CPC e fazia do processo
civil o direito geral do contencioso administrativo. Assim apenas as acções especiais residiam no código de processo administrativo.
No entanto o
diagnóstico problemático da esquizofrenia de que sofria este ramo do Direito
não ficava por aqui, isto porque, em termos de nomenclatura, aquilo a que se
chamava acção comum era uma acção especial do contencioso e o que se chamava acção
especial era uma acção comum. Por isso, esta dualidade de meios processuais que tinha
razão de ser substantiva (porque era determinada através de um critério substantivo
de formas de actuação administrativa, e não baseada em causas de pedir) era algo
que não deveria acontecer.
O legislador
de 2015 eliminou esta dualidade de meios processuais mas, segundo parece, ainda
estabelece classificações processuais baseadas em matéria substantiva. Fez no
entanto desaparecer a distinção entre acção comum e especial mas, se analisarmos
o artigo 37º e ss, existem ainda várias sub-acções que dispõem de regras processuais
e de marcha do processo distintas (continua a fazer mais sentido do que a anterior
dualidade, mas não se alterou tudo aquilo que carecia disso).
Não só em
termos de pressupostos processuais e regras acerca do objecto, mas também a
propósito da marcha do processo, o legislador confunde critérios e cria tipos
de acção distintas sem que exista uma razão para isso, não obedecendo a uma lógica
uniformizadora.
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