CONTENCIOSO DOS CONTRATOS


Houve uma revisão recente do ETAF e está, em cima da mesa, no quadro do processos de
transposição, a necessidade de transpor as diretivas de 2014 para a nossa ordem
jurídica, que trazem alterações substantivas e processuais.
Os movimentos recentes são algo contraditórios. Em 2004 quando surge o CPTA, avançou-se para uma uniformização do mundo contratual. Em 2015 quando se fez a reforma do procedimento e processo, houve uma tentativa de voltar para trás, e agora a necessidade de transpor as diretivas na nossa ordem jurídica aponta num sentido diverso, mesmo que o texto legislativo não vá nesse sentido.

Antes de continuarmos é necessário esclarecer o conceito de contrato público, contrato submetido a regime de direito público, e que corresponde ao universo da justiça administrativa.

A questão do contrato te uma longa histórica traumática, no quadro do direito
administrativo, porque à volta da teoria da contratação pública surgiram construções
esquizofrenias que mostraram contradições quanto ao modo de conceber a contratação
no domínio público. 
Olhando para o passado, revela-se que num primeiro momento... 
  • O Contencioso Administrativo foi, no quadro francês, um privilegio de foro para a Administração Pública. Aquilo que se procurou fazer foi criar um órgão administrativo de fiscalização para melhor a proteger. Esta realidade jurisdicional protegia apenas a Administração no domínio dos atos administrativos. Estava em causa um conjunto de exceções que faziam com que os atos administrativos tivessem um controlo próprio feito pelos órgãos da Administração. 
  • Esta isenção do controlo judicial estendeu-se também a certos contratos administrativos que, em razão da sua importância política, valor económico, se entendeu que também deveriam ser submetidos a um ''tribunal especial'', protegidos pelos cláusula do juiz doméstico. 


Esta realidade surge por imposições práticas e tinha apenas uma dimensão processual, ou seja, alguns contratos sujeitos ao regime de controlo contencioso, como estavam os atos administrativos. 

Pouco depois, na segunda metade do séc. XIX, a doutrina vai começar a dizer que havia razões de natureza substantiva para proteger esses contratos. É depois dos tribunais terem procedido a essa realidade do ponto de vista prático que a doutrina vai estabelecer distinções, teorizada na doutrina francesa do contrato administrativo, que estabelece a distinção esquizofrenia entre: 
  • Contratos administrativos: exercício da função administrativo, sujeitos ao controlo dos tribunais administrativos 
  • Contratos privados da Administração: regulados pelo CC e controlados pelos tribunais judiciais. 

Quer no quadro da legislação, quer da doutrina, esta dicotomia vai encontrar apoiantes que procurassem justificar a ''especialidade'' do foro de um novo regime substantivo.
Existe aqui uma realidade que se vai cristalizar do ponto de vista jurídico, mesmo se era
difícil encontrar um critério para estes contratos, a doutrina identificava mil e um
critérios, considerando os mesmos suficientes:
  • Poderes de autoridade 
  • Privilégios exorbitantes/poderes especiais 
  • Critério do ambiente do direito público 



Esta realidade tinha de contraditório:
  • Haver um contrato que era simultaneamente bilateral, resultava do acordo de vontades das duas partes, mas era uma forma unilateral de exercício da função administrativa. Era bilateral porque havia acordo de vontades, e unilateral porque por força do contrato o particular ficava vinculado a esse poder público, contrato especial em que o particular fica submetido ao poder público. 
  • Por outro lado, a partir do momento em que a realidade administrativa se desenvolve, aquilo que era visto com desconfiança, que era a atividade contratual da AP, tal vai se tornar normal, e no estado social e pós-social, o estado vai fazer com que a AP atue desta forma bilateral. 


A doutrina, nos anos 80, vai desenvolver dois pontos fundamentais, e teoriza os mesmos do ponto de vista jurídico: 

Do ponto de vista substantivo: 
  • Considerava-se dever existir um regime jurídico ''especial'' (de ''direito público'') para os contratos administrativos e outro ''comum'' (de ''direito privado'') para os demais contratos que interviesse a Administração. 
  • Nem os contratos ditos administrativos eram assim tão diferentes dos outros contratos, nada que correspondesse ao exercício de um poder, porque as causas dos contratos resultavam ou do acordo das partes ou da lei; 
Do ponto de vista processual: 
  • A natureza do contrato administrativo implicava que os litígios relativos a sua interpretação, validade ou execução fossem de competência dos tribunais administrativos, enquanto que os contratos e direito privado da administração eram de competência dos tribunais comuns. 
  • Os contratos privados não eram assim tão privados, porque resultavam de procedimentos, estava em causa o exercício da função administrativa, etc.



Em modo de conclusão, esta constatação vai fazer com que noutros países tenha surgido a discussão, que surge em Portugal nos anos 80 e 90: 

- MARIA JOÃO ESTORNINHO, in Requiem do Contrato Administrativo: esta figura  nos dias de hoje não fazia qualquer sentido. Era preciso criar um regime jurídico uniforme para toda a Administração, independentemente dessa categorização em público e em privado. Era preciso criar uma realidade que tornasse normal a contratação. Era preciso criar um regime que tivesse em conta os objetivos da Administração, que permitisse a prossecução dos fins públicos, que permitisse regras de atuação, o controlo da Administração dessa realidade contratual e dos dinheiros públicos.
Aquilo que vai ser teorizado em Portugal é que não há que fazer estas distinções esquizofrénicas, estes regimes jurídicos, e o que é preciso é criar um regime unitário para a contratação pública.








Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira da (2016) “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as Ações no novo Processo Administrativo 2ª Edição



Aluno: Rosário Kalenga da Silva
Número: 140114053 

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