Da legitimidade como pressuposto processual



Dentro das realidades constitutivas do processo, ou seja, para que exista um litígio e para que este possa ser resolvido pelo tribunal, é imperativo distinguir os sujeitos processuais/as partes, que se afere segundo as regras sobre a capacidade e legitimidade judiciária (art. 8º)
A legitimidade é um pressuposto e não um elemento e corresponde ao modo como são chamados ao processo os sujeitos processuais. Permitem-se também processos com uma multi lateralidade de partes.
Avaliando, segundo o artigo 9º, a legitimidade activa, esta transforma a lógica do processo administrativo pois a relação jurídica processual visa que os sujeitos da relação jurídica administrativa intervenham na vida contenciosa, pelo que o critério da legitimidade é um critério determinado em razão do chamamento dos sujeitos à vida administrativa.
Desta forma são partes, enquanto autores, quem alegue ser parte na relação jurídica controvertida, ou seja, o titular do direito que intervém no âmbito da realidade processual. A legitimidade passiva, expressa no art 10º, refere-se à parte que seja titular dos interesses contrapostos.
Assim há direitos e poderes-deveres que se encontram numa posição de contrariedade . O legislador utilizou para estas situações um critério que assenta numa lógica subjectivista. A acção de defesa de um direito deste prisma subjectivo (art 9º/1 e 10º/1) tem como partes os particulares e as entidades da AP que estão numa posição de defender o direito. No entanto, esta defesa de direitos pode ser complementada por uma legitimidade aferida em termos objectivos, dando origem aos mecanismos de acção pública e popular.
A acção pública consiste na possibilidade de o ministério público poder apresentar um pedido contra uma autoridade administrativa. Neste caso o MP não é directamente afectado nem possui nenhum direito, mas teve conhecimento de um direito afectado. É assim uma intervenção complementar da intervenção do particular.
No domínio do processo civil e administrativo, a intervenção do MP é limitada e tem a ver com interesses especiais, como por exemplo a defesa de ilegalidades graves. Isto faz sentido, uma vez que o MP não substitui os particulares no domínio da acção pública.
Importa ainda mencionar que esta dimensão secundária do MP não faz dele o autor normal do CA.
Por sua vez, a acção popular tem em Portugal uma grande tradição. Isto porque, qualquer cidadão pode intentar uma acção, mesmo quando não seja directamente lesado.
No entanto, sendo esta acção indiscutivelmente necessária, esta deve conter-se dentro de certos limites (art 35º da lei da acção popular).
O CA é manifestamente subjectivo pois o que o caracteriza em termos de facto ou de direito é o facto de poderem ser intentados por um particular em termos próprios.
O legislador utilizou expressões neutras na qualificação dos sujeitos, abrindo portas a diferentes qualificações.
A concepção decorrente da CRP e da lei afasta as concepções dos particulares que ora negavam a existência dos direitos (tese clássica) ora falavam em direitos objectivos (tinham como conteúdo o cumprimento da legalidade, caso do “direito à legalidade” por Marcelo Caetano).
Defendendo por outro lado as posições jurídicas subjectivas, temos a tese dos professores Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa, que considera que estamos perante relações subjectivas de vantagem e que estas se dividem em direitos subjectivos com tutela directa por parte da norma relativa a interesses legítimos, e interesses difusos por parte da norma que tutelava bens públicos que podiam ser inferidos de direitos dos particulares (exemplo: direitos sobre bens que são públicos, como o ambiente, o consumo, o urbanismo e demais coisas que não são objecto de expropriação).
Segundo a tese do direito reactivo, pelos professores Rui Medeiros e Mário Aroso de Almeida, esta introduz uma noção unificada da posição dos particulares relativamente à AP e coloca a tónica no direito que se leva a juízo, na possibilidade de agir judicialmente contra uma lesão dos particulares. Esta posição, no entanto, confunde a relação jurídica substantiva com a processual porque considera que só há uma lesão na relação jurídica substantiva quando se leva a causa a juízo, que é quando se constitui a relação jurídica processual, e esta é uma lesão posterior à substantiva. Isto não faz sentido em certos casos porque se reduz tudo ao direito de acção, quando o direito de acção é um direito secundário face ao direito substantivo que foi efectivamente lesado.
Segundo os professores Vasco Pereira da Silva e Vieira de Andrade, proclama-se uma teoria da norma de protecção, ou seja, o que está em causa em todas as situações é a protecção do particular que, do ponto de vista teórico, corresponde a um direito, podendo este ter conteúdos muito diferentes, e pode ainda dar origem a  posições jurídicas diferenciadas. No âmbito do direito civil, os direitos são diferenciados em razão do respectivo conteúdo, pelo que não há motivo para que seja diferente no âmbito administrativo.
Um bem colectivo, por exemplo, pode ser fruído por qualquer cidadão. Assim, a fruição individual não se confunde com o bem colectivo, pois este pode ser aproveitado individualmente, embora não seja expropriável. Assim, o que aqui está em causa é a permissão normativa de aproveitamento de um bem.
No quadro da teoria da norma de protecção, defende-se ainda que qualquer posição jurídica subjectiva, interpretada à luz da CRP, seja considerada um direito subjectivo, embora possa ter conteúdo diferente, sendo protegido da mesma maneira (regime unificado de todos os direitos subjectivos). Esta teoria parte do pressuposto que o interesse que a norma consagrou é um interesse favorável ao particular, pelo que se há qualquer vantagem, isso implica a consagração de um direito ao sujeito. 
No âmbito da legitimidade passiva, por sua vez, a parte demandada num processo contra entidades publicas é a pessoa colectiva de direito público.
O legislador quis ser subjectivista, afirmando que o processo administrativo seguia regras idênticas às do processo civil, mas isso não faz sentido neste âmbito em razão das especificidades do direito administrativo. No Direito Administrativo existe o principio da legalidade, que tanto vale nas relações da AP com os particulares, como para pessoas colectivas públicas. Quem actua em nome das PCP são os órgãos e os particulares que os compõem pelo que, em virtude disso, devem ser eles as pessoas demandadas no quadro do CA.
Não pode haver no direito público a ideia da impermeabilidade da pessoa colectiva, que é um princípio de direito privado. No direito público, é a decisão tomada pelo órgão da AP que é, ela própria lesiva dos direitos dos particulares.
Por exemplo, se estiver em causa uma actuação ministerial, quem deve ser chamado a juízo é o autor do acto e não a pessoa colectiva.
O legislador diz que é indiferente demandar a pessoa colectiva de direito público ou o órgão. Além de que, quando o legislador estabelece os requisitos da petição inicial (arts 78º e ss), o legislador diz que o autor pode decidir demandar quer o órgão quer a pessoa colectiva. Quis-se assim aproximar do regime de processo civil, mas importa não esquecer as especificidades do contencioso administrativo, que não permite essa aproximação. Por exemplo, se uma repartição comete algum erro, deve ser chamado o chefe das competências ou mesmo o órgão, e não a pessoa colectiva (o Ministério das Finanças).
A nossa jurisprudência, apesar de a lei falar em pessoas colectivas, entende que em geral, quem está em juízo é o órgão, excepto nas acções de responsabilidade civil, porque estão aqui em causa direitos de natureza patrimonial, pelo que quem tem a titularidade dos bens é a pessoa colectiva e não o órgão.

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