Mecanismos de tutela urgente - breves notas introdutórias
Um dos problemas do Contencioso
Administrativo antes da reforma era a afirmação da necessidade de consagração
de medidas cautelares, isto é, de processos provisórios no domínio do processo administrativo.
Tudo começou, a nível europeu, com a sentença do caso Cassis de Dijon (dando origem a jurisprudência subsequente e vasta
sobre o tema). Aí se reclamava a urgência de um Contencioso Administrativo que
deveria ser pleno, especialmente no âmbito da tutela dos direitos dos
particulares, implicando a existência de não apenas meios processuais
principais mas também de meios provisórios ou cautelares. Esta mudança de
paradigma marca uma evolução do Contencioso Administrativo, em especial a
partir dos anos 90 (fase da europeização). Assim, no final do século 20 e no
início do século 21, em todos os países europeus surgem, no quadro de uma
lógica horizontal, reformas do Contencioso Administrativo que estabelecem,
entre outros, mecanismos de tutela cautelar e urgentes.
Houve, em todos os países da União
Europeia, novos códigos regulando a tutela cautelar e estabelecendo os tais
mecanismos urgentes, colmatando as deficiências existentes até então. No caso
português, havia apenas um único meio processual de natureza cautelar: a suspensão
da eficácia dos atos administrativos, regulada de modo tal que era difícil
verificar as circunstâncias que a legitimavam; neste sentido, a interpretação
dada pelos tribunais portugueses aos pressupostos de aplicação do mecanismo era
tão exigente (até mais do que aquilo que resultava em termos literais da lei)
que significava, na prática, que praticamente nunca havia a tal tutela cautelar
no ordenamento jurídico português. É este estado de coisas que determina a
reforma de 2002-2004 que procura instaurar os mecanismos urgentes no âmbito do
Contencioso Administrativo.
No quadro desta reforma, surgem dois aspetos
importantes. Por um lado, o mecanismo da tutela cautelar vai sofrer uma ampliação
e passa a assentar numa cláusula aberta. Assim, em vez de existir um mecanismo
tipificado com um único meio processual, vigora um princípio da cláusula aberta
em que se pode requerer ao juiz tudo aquilo que for adequado à satisfação dos
interesses do particular e a assegurar que a sentença no futuro tem,
efetivamente, um efeito útil. Por outro lado, verifica-se uma enorme inovação
no regime adotado pelo legislador português. Isto porque havia um conjunto de
figuras que, noutros países, eram consideradas como de natureza cautelar, e o
legislador português decidiu consagrar processos urgentes em matéria de
Contencioso Administrativo, distintos dos mecanismos cautelares. Ou seja, estes
processos urgentes ficam numa posição intermédia entre as ações principais e as
figuras cautelares. São mecanismos rápidos, que exigem uma resposta
praticamente imediata às pretensões dos particulares. Assim, diferentemente dos
processos cautelares, os processos urgentes decidem mesmo o fundo da causa,
aproximando-se dos processos principais – pois sendo urgentes satisfazem os
interesses do particular, não tendo como objetivo único a salvaguarda do efeito
útil da sentença futura. A grande inovação reside precisamente neste aspeto: é
que enquanto os outros países estes mecanismos surgem no âmbito da tutela
cautelar, no ordenamento jurídico português existe esta figura de “meio caminho”.
Ficam em posição intermédia no
sentido de que estão mais próximos dos procedimentos cautelares, visto que
aquilo que os caracteriza é a celeridade, obrigando a uma resposta célere por
parte da Administração Pública; ao produzir logo uma satisfação da pretensão do
particular e respondendo ao pedido em si mesmo, então aproximam-se mais dos processos
principais.
Estatui o artigo 97º do CPTA que são
consideradas ações administrativas urgentes as ações relativas ao contencioso
dos atos administrativos em matéria eleitoral, em matéria de procedimentos de
massa, e em matéria de formação de contratos. Esta enumeração leva a que
autores (como Vasco Pereira da Silva) questionem o porquê da desconsideração no
elenco das duas intimações que vêm, adiante, tipificadas. Este autor defende
que houve aqui um problema de técnica legislativa pelo que, em todo o caso,
devemos considerar como processos urgentes o contencioso eleitoral (artigo 98º),
o contencioso pré-contratual (artigos 100º e seguintes), o contencioso dos
procedimentos de massa (artigo 99º), a intimação para a prestação de informações,
consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104º e seguintes) e a
intimação para proteção de Direitos, Liberdades e Garantias (artigos 109º e
seguintes).
Vera Manoel
140114074
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