O que mudou com a Reforma do Contencioso Administrativo?

QUE MEIOS PROCESSUAIS PASSAM A EXISTIR?

Passam a existir dois meios processuais principais: a acção administrativa comum, cujo objecto corresponde a todos os litígios do âmbito da jurisdição administrativa que não siga a acção administrativa especial (artigo 37º. e segs. do CPTA) e a acção administrativa especial, cujo objecto reside na impugnação de actos administrativos, condenação na prática de actos administrativos devidos, e pedidos de declaração de ilegalidade de regulamentos ou da omissão de regulamentos devidos (artigo 50º e segs. do CPTA). A acção administrativa comum segue os termos do processo civil, com algumas adaptações constantes do CPTA e a acção administrativa especial segue uma tramitação própria, estabelecida no CPTA.

Por outro lado, passa a ser admissível apresentar junto dos tribunais administrativos todo o tipo de pedidos pendentes à tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do autor, à semelhança do que se passa no processo civil. A enumeração do tipo de pedidos admissíveis na acção administrativa comum é meramente exemplificativa, dada a indispensabilidade de assegurar uma tutela jurisdicional efectiva a todo o tipo de posições jurídicas que não se insiram no âmbito objectivo da acção administrativa especial. Esta abertura e flexibilidade do objecto do processo implicam uma grande permeabilidade entre estes dois meios processuais, assim, a possibilidade de cumulação entre os pedidos é muito ampla, sendo admissível a cumulação de pedidos referentes, quer à acção administrativa comum, quer à acção administrativa especial. Neste caso, em que os pedidos cumulados correspondem a diferentes formas de processo, seguem-se os termos da acção administrativa especial.

Além dos dois grandes meios processuais principais, o CPTA consagra também vários meios processuais urgentes e autónomos. Incluem-se aqui os processos relativos ao contencioso eleitoral, contencioso pré-contratual de determinados tipos de contratos, intimação para prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões, intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias e providências cautelares (artigo 36º do CPTA).

Uma das matérias em que mais relevantes novidades se constata, refere-se às providências cautelares (artigo 112º e seguintes CPTA), que se distinguem dos demais meios urgentes, visto corresponderem a meios processuais acessórios e dependentes de uma causa principal. Consagra-se no CPTA possibilidade de adopção de quaisquer medidas cautelares, mesmo que não estejam especificadas na lei, podendo ser requeridas pelas partes, ou determinadas pelo tribunal, quaisquer medidas que se revelem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. Não obstante, o CPTA enumera um conjunto exemplificativo de medidas, que em muito ultrapassam as actualmente previstas na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (nº2 do artigo 112º. do CPTA).

Verifica-se ainda uma extensa lista de outras inovações em matéria de providências cautelares, sendo de destacar-se as seguintes:

i)                    Adoção de um método processual único para as diversas medidas cautelares, sem prejuízo da existência de normas disciplinadoras específicas para certos tipos de pedidos;
ii)                   Presunção de veracidade dos factos invocados pelo requerente quando o requerido não os conteste;
iii)                 Os critérios essenciais para apreciação da possibilidade de decretamento da providência passam a ser essencialmente, o fumus bonis juris e o periculum in mora, embora a prevalência de um ou outro na ponderação do julgador possa variar consoante a evidência da questão ou a natureza da medida solicitada;
iv)                 Possibilidade de antecipação do juízo da causa. A propósito da apreciação do pedido cautelar quando o tribunal disponha de todos os elementos necessários ao seu julgamento e se verifique uma situação de manifesta urgência e os interesses envolvidos assim o exijam;

Outro dos meios processuais também disponíveis no novo contencioso administrativo diz respeito ao processo executivo, o qual, no novo modelo, pode assumir três finalidades: execução para prestação de factos ou coisas, execução para pagamento de quantia certa ou ainda, execução de sentenças de anulação de actos administrativos. Verifica-se neste domínio uma alteração completa do quadro normativo existente, essencialmente por se preverem, pela primeira vez, verdadeiros mecanismos de natureza executiva oponíveis pelos tribunais a entidades públicas. O processo executivo não só se aplica a todas as sentenças proferidas em tribunais administrativos, mas também a quaisquer outros títulos executivos cuja relação jurídica subjacente caia no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos.

Como novidade de relevo, refira-se a previsão da possibilidade de extensão dos efeitos de uma sentença a casos análogos, relativamente aos quais não tenha havido julgamento, quando a decisão se refira a anulação de um acto administrativo ou ao reconhecimento de uma situação jurídica (artigo 61º. do CPTA). Significa isto que, qualquer interessado pode solicitar à Administração a extensão os efeitos de uma sentença desta natureza, desde que os casos sejam perfeitamente idênticos e existam, pelo menos, cinco decisões jurisdicionais no sentido cuja extensão se requer. Caso a Administração indefira a pretensão dirigida à extensão dos efeitos de sentença, pode o particular solicitá-Ia ao tribunal que haja proferido a decisão (artigo 6º do CPTA).

É igualmente digno de referência o facto de o particular poder solicitar ao tribunal, em sede de processo executivo, a compensação de um crédito que tenha sido reconhecido por sentença não executada no prazo devido, através de dívidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva pública ou ministério responsável pela inexecução (nº2 do artigo 170º do CPTA).

Por fim, refira-se ainda como meio processual previsto, a figura do recurso jurisdicional, cuja reformulação de regime denota uma clara aproximação ao processo civil. As alegações de recurso passam a ter de acompanhar o requerimento de interposição do mesmo, evitando se a ocorrência de um momento de apresentação do requerimento e outro para apresentação das alegações (nº2 do artigo 144º do CPTA). Evita-se, pois, a existência deste passo processual suplementar de revisão da sentença pelo tribunal recorrido na sequência de um recurso que implique a modificação da decisão. Embora os recursos tenham, em regra, efeitos suspensivos, prevê-se a possibilidade de concessão de efeito devolutivo quando o efeito suspensivo possa originar situações de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação para interesses públicos ou privados. Mesmo assim, quando da concessão do efeito devolutivo possam resultar danos, o tribunal pode adoptar medidas destinadas a minorá-los (artigo 143º do CPTA).

Das inovações mais significativas em sede de recursos destacam-se a previsão de recursos de revista e o regime do reenvio prejudicial.

QUAIS AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES PROCESSUAIS?

As inovações processuais introduzidas pelo CPTA visam, em primeiro lugar uma aproximação ao processo civil em todos os aspectos que não requeiram um tratamento processual específico, que advenha da natureza administrativa da causa. Por outro lado, o novo regime pretende evitar razões formais que impeçam a efectiva apreciação matéria da causa, bem como, possibilitar que num único processo possam ser suscitadas todas as questões que o particular entenda necessárias para a tutela da sua pretensão. Paralelamente estão subjacentes à reforma do contencioso administrativo objectivo de celeridade. Simplificação e flexibilidade processual, bem como de igualdade das partes em juízo. Tais objectivos ditaram novas regras processuais e uma nova configuração do elenco de meios processuais ao dispor do particular, bem como da respectiva tramitação.

o   Custas Judiciais:
A reforma do contencioso administrativo procede a uma profunda alteração do regime das custas judiciais da jurisdição administrativa. Neste sentido, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos consagra o princípio geral de sujeição do Estado e das demais entidades Públicas ao pagamento de custas judiciais nos termos previstos no novo Código das Custas Judiciais (artigo 189º. do CPTA). Esta norma, aprovada por unanimidade dos votos dos partidos com assento na Assembleia de República da jurisdição administrativa. Esta alteração não prejudica, obviamente, a actuação do Ministério Público que, independentemente da sujeição ao pagamento de custas por parte dos seus representados, continua a gozar de isenção nas acções e procedimentos para os quais disponha de legitimidade própria, tendo naturalmente em conta os superiores interesses em causa neste âmbito. Assim, o regime de custas da jurisdição administrativa passa a constar do Código das Custas judiciais em capítulo próprio e autónomo.

o   Legitimidade processual:
As inovações em sede de legitimidade passiva resultam, grande parte, do novo sistema de meios processuais adoptados e das amplas possibilidades de cumulação de pedidos (artigo 10º. do CPTA). Na generalidade o CPTA permite a cumulação de todos os pedidos que respeitem à mesma relação material controvertida. Ora, como é sabido, actualmente, um pedido dirigido à anulação de um acto tem como parte contrária, o órgão responsável por esse acto, ao invés, para o pedido de indemnização na dependência do pedido de anulação do acto é parte legitima a pessoa colectiva pública onde o mesmo órgão se insira. Significa isto que, a partir do momento em que se admitem cumulações de pedidos desta natureza, hoje em dia impossíveis, há que encontrar critérios coerentes para aferição da legitimidade passiva.
Adopta-se, portanto, a regra segundo a qual, quando o pedido tenha como acção ou omissão de uma entidade pública, a parte demandada é a pessoa colectiva pública ou, no caso do Estado o ministério cujo órgão tenha adoptado ou deva adoptar o acto ou comportamentos em causa (nº1 do artigo 10º do CPTA). Caso o autor tenha indicado como parte demandada um órgão de uma pessoa pública ou ministério, a acção considerar-se-á proposta contra essa pessoa ou ministério sem possibilidade de indeferimento liminar ou necessidade de qualquer correcção da petição (nº4 artigo 10º do CPTA). Se o pedido tiver por objecto um acto ou omissão de entidade administrativa independente destituída de personalidade jurídica tem legitimidade passiva a pessoa colectiva pública ou ministério em que essa entidade se insira (nº3 do artigo 10º. do CPTA).
Por fim no que respeita à legitimidade activa, o CPTA consagra como princípio geral que o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida. Não obstante a consagração de um princípio geral de legitimidade activa, que vem romper com o tradicional tratamento desta matéria por referência a diversos meios processuais especialmente previstos. O CPTA mantém a previsão de regras específicas de legitimidade para a acção administrativa especial (artigo 55º CPTA).


O QUE MUDA NA IMPUGNAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS?

As alterações relativas à impugnação de atos administrativos são muito profundas e relevantes, para além da alteração da designação do meio processual aplicável, que deixa de se designar   recurso contencioso, passando a designar-se Ação Administrativa Especial, destacam-se os seguintes aspetos:

a)       Prazo de impugnação de actos administrativos:
O prazo geral para impugnação de actos administrativos é aumentado para 3 meses (alínea b) do nº2 do artigo 58º do CPTA). A impugnação administrativa do acto suspende o prazo de impugnação contenciosa, mas não impede o interessado de proceder a ela na pendência da impugnação administrativa (nº4 e 5º do artigo 59º do CPTA). O Ministério Público mantém a possibilidade de impugnação de actos administrativos, no prazo estabelecido.

b)      Recorribilidade do acto administrativo:
O CPTA abandona claramente o tradicional conceito de definitividade, permitindo a impugnação de qualquer acto com eficácia externa, independentemente de se encontrar inserido num procedimento administrativo (nº. 1 do artigo 51º. do CPTA). Não obstante, sem que exista qualquer exigência de recurso administrativo como condição necessária para a impugnação contenciosa, prevê-se a suspensão do prazo para esse efeito, quando tenha sido interposto meio de impugnação administrativa, independentemente da sua natureza, tal como já foi referido nº4 do Artº. 59º do CPTA).

c)       Alargamento do objecto da acção:
O objecto do processo administrativo é perspetivado, como uma realidade aberta, quer por via da possibilidade de cumulação de pedidos, quer por via da possibilidade sua ampliação do objecto processual ao logo do processo. O alargamento do objecto pode estender-se, em acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, a novos actos praticados no âmbito do mesmo procedimento, ou, tratando-se de um acto pré-contratual, ao contrato que venha a ser celebrado na pendência do processo (artigo 63º. do CPTA).

d)      Recusa oficiosa da petição pela secretaria:
Consagra-se a obrigação de em acção administrativa especial, a secretaria recusar oficiosamente a petição inicial quando esta não satisfaça determinados requisitos, à semelhança do que sucede em processo civil (artigo 80º. do CPTA).

e)      Citação e notificações:
O CPTA prevê que a citação da entidade pública demandada e dos Interessados na acção administrativa a especial ocorre em simultâneo, sendo efectuada oficiosamente pela secretaria do tribunal (artigo 81º do CPAT). Por outro lado, prevê-se que a citação dos contra-interessados em número superior a vinte seja feita mediante a publicação de anúncio (artigo 82º. do CPTA).
Também a notificação da entidade demandada e dos contra-interessados para alegar, em acção administrativa especial, passa a ser efectuada simultaneamente (nº.4 do artigo 91º. do CPTA).

f)        Poderes dos tribunais:
Inovação de relevo reside no alargamento assinalável dos poderes jurisdicionais de cognição e de condenação da Administração pelos tribunais, aspecto que assume particulares contornos na Acção Administrativa Especial. Relativamente aos poderes cognitivos, verificasse que o tribunal passa a dispor do poder-dever de se pronunciar sobre todas as concretas causas de invalidade de que enferma o acto impugnado, mesmo que estas não tenham sido expressamente invocadas pelo autor. Quanto aos poderes de condenação, face a um pedido dirigido à prática do acto administrativo devido, permite-se que o tribunal condene a Administração na prática desse acto, bem como na adoção dos demais comportamentos que não consubstanciem actos administrativos. Os poderes em causa não se resumem a uma condenação genérica na necessidade de prática do acto, devendo antes o tribunal pronunciar-se sobre a pretensão material do autor, podendo determinar o conteúdo concreto do acto a praticar pela Administração, sempre que isso seja possível. Quando isso não seja possível por tal tarefa implicar o exercício da função administrativa, deve explicitar quais os aspectos vinculados da prática do acto que devem ser observados na emissão de uma nova pronúncia administrativa. (artigo 71º CPTA).

g)       Despacho saneador:
Introduz-se, para a acção administrativa especial, a possibilidade de ser proferido um despacho saneador, nomeadamente, quando se verifiquem os fundamentos que obstam ao prosseguimento da causa ou quando o estado do processo permita o conhecimento do mérito da causa (artigo 88ºCPTA).

h)      Intervenção processual do Ministério Público:
Ao Ministério Público é conferida a possibilidade de intervenção processual num único momento da acção administrativa especial, sendo-lhe reconhecidas competências para se pronunciar sobre o mérito da causa e solicitar a realização de diligências instrutórias até 10 dias após a junção do processo instrutor aos autos (artigo 85º do CPTA). Pretende-se que a sua pronúncia tenha como objectivo a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes, dos valores constantes do nº2 do artigo 9º, do CPTA, e a identificação de vícios de inexistência ou nulidade quanto a actos que tenham I sido objecto de impugnação contenciosa. O Ministério Público pode ainda prosseguir a acção, em caso de desistência do autor (artigo 62º do CPTA).

i)        Audiência pública:

Não obstante as fases de produção de prova e alegações finais na acção administrativa especial poderem ser dispensadas, é concedida a possibilidade de realização de uma audiência pública de julgamento, para discussão da matéria de facto, oficiosamente ordenada pelo Juiz ou a pedido de qualquer das partes (artigo 91º do CPTA). Quando venha a ocorrer as alegações finais também aqui serão produzidas de forma oral.


Paulo Ramalho Pereira
140115503

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