ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA PARTE 2

j) “Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos,
reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal”


Alargamento às relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre
órgãos públicos.

k) “Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos,
em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território,
urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por
entidades públicas”


Em causa estão áreas que são definidas como matérias administrativas. À
semelhança do era a estratégia adotada no âmbito da União Europeia, o legislador fez
precisamente o mesmo em relação a determinadas tarefas públicas cujos litígios são do
âmbito do contencioso administrativo. No entanto, nestas áreas podem existir litígios que
não são necessariamente administrativos.

Como interpretar a integração destas matérias no domínio do contencioso administrativo?
Em termos amplos ou limitados?

A referência à “prevenção, cessação e reparação de violações” representa a transferência
destes bens para o domínio do contencioso administrativo. Contudo, e curiosamente, é
estabelecida uma limitação que não constava da redação de 2004: “quando cometidas
por entidades públicas”.

O primeiro problema que se coloca prende-se com saber se esta restrição está apenas
relacionada com património cultural e do Estado ou com todas as outras. Em termos
frásicos, esta expressão é referente a todas as outras.

O segundo problema que se coloca prende-se com o significado a retirar desta limitação
imposta pelo legislador. O que é que se quer dizer com a prevenção cometida por uma
entidade pública? E com a cessação cometida por uma entidade pública? O que está em
causa é uma tentativa de reação contra uma orientação que propunha que, na medida
em que houvessem atuações públicas nestes domínios, tal significava atrair para o
contencioso todos os litígios relacionados com essas matérias. O legislador receou as
consequências desta orientação e acrescentou esta parte final. Interpretando a norma no
seu sentido objetivo, o que está em causa não são ações de entidades públicas. Ou seja,
e de uma forma corretiva, deve-se como considerar não escrita a parte final. A existir
algum sentido útil para esta referência, este só poderá ser o da restrição, na medida em
que estamos no exercício da função administrativa. No entanto, tal não era necessário
visto que o artigo 4º se refere às relações administrativas e fiscais.

l) “Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito
do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria
de urbanismo”


Representa um elemento inovador em relação a 2004. O que está aqui em causa é o
ilícito de mera ordenação social, ou seja, sanções administrativas com processo
jurisdicionalizado, mas que são impostas por autoridades públicas no quadro de uma
relação jurídica de direito administrativo. Por razões históricas, em Portugal, este tipo de
ilícito criado em 1977 foi conferido à competência dos tribunais judiciais (comuns). Os
argumentos já analisados e que explicam a “infância difícil” do contencioso
administrativo foram invocados para sustentar esta medida.

O legislador, inicialmente, tinha proposto uma solução intermédia: a transferência de
todo o universo das contraordenações para os tribunais administrativos, o que obrigava
a criar tribunais e meios processuais especiais destinados à resolução destes litígios.

No quadro da reforma do contencioso administrativo, em 2015, o legislador alargou este
universo de ilícito a todas as áreas referidas na alínea anterior. No entanto, o Governo e a
Assembleia da República limitaram-se a incluir apenas o urbanismo. Assim, é uma
solução parca, dado que não transfere todo o universo das contraordenações para o
contencioso administrativo.

m) “Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não
seja competente outro tribunal”


Está em causa o uso de um critério material: a matéria do contencioso eleitoral. A
restrição “para que não seja competente outro tribunal” prende-se com o facto de o
Tribunal Constitucional ser tribunal competente em matéria respeitante às eleições para
todos os órgãos políticos. Nesta alínea faz-se referência ao contencioso eleitoral que diz
respeito, a título exemplificativo, às eleições para as escola, liceus e fundações públicas.

n) “Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos
administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração”


Em causa está a abertura do contencioso a estas atuações administrativas que, não
sendo atos administrativos, geram litígios que necessitam de ser resolvidos pela via
judicial. Ex: pagamento de quantias monetárias.

o) “Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas
alíneas anteriores”

Não há aqui nenhum critério distintivo; está em causa um critério de natureza
residual. O legislador procurou demonstrar que a técnica legislativa utilizada não visava
a taxatividade. No entanto, e na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva, a medida
adotada não é feliz, dado que, nesta alínea, cabe quase tudo.

Em suma, e tendo o legislador adotado o método da tópica, os critérios definidos nas
alíneas atrás analisadas foram os seguintes:

a) Critério dos direitos;
b) Critério das formas de atuação e critério do poder;
c) Critério das formas de atuação;
d) Critério das formas de atuação;
e) Critério das formas de atuação;
f) Critério da responsabilidade;
g) Critério da responsabilidade;
h) Critério da responsabilidade;
i) Critério com dimensão material (vias de facto), mas que alarga a realidade
administrativa para além das tradicionais formas de atuação;
j) Critério das relações jurídicas;
k) Critério das matérias;
l) Critério da matéria do ilícito de mera-ordenação social;
m) Critério da matéria do contencioso eleitoral;
n) Critério das relações administrativas definidas pelo ato (e dos direitos que decorrem
dessas relações);
o) Cláusula aberta.


Na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva, se o método em si pode ser questionável, o
resultado a que com ele se chegou não deve ser criticado, dado que se procedeu ao
alargamento do domínio do contencioso administrativo a uma multiplicidade de relações
jurídico-administrativas.


Análise do artigo 4º, nº2:

“Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam
ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos
jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos
mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.”

Estamos perante um alargamento das relações jurídicas administrativas e fiscais no
âmbito da responsabilidade civil:

1. Ao relacionamento entre entidades públicas e particulares;
2. À existência de atividades seguradas.

Em relação ao primeiro ponto, importa ter em atenção a expressão “vínculos jurídicos de
solidariedade social”. Esta referência encontra ligação com as situações das matérias
conexas, ou seja, naquelas em que há co-culpabilidade (concorrência para a produção
dos mesmos danos), no âmbito da responsabilidade civil, entre entidades públicas e
particulares. Pensemos no caso de Agnès Blanco: é um caso em que um privado
contribui, também, para a produção do dano. Ora, por esta altura, os tribunais
administrativos declaravam-se incompetentes para julgar litígios desta ordem, pelo que a
introdução desta figura no contencioso administrativo representa uma mudança
positiva.

Análise do artigo 4º, nº3:

“Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de
litígios que tenham por objeto a impugnação de”:

O legislador procedeu à exclusão do âmbito do contencioso administrativo de situações
que, em função dos critérios, nele já não enquadrariam. Em bom rigor, o legislador não
está senão a precisar o alargamento realizado no seio do contencioso administrativo,
dizendo o que nele não se deve enquadrar.

Análise do artigo 4º, nº4:

a) “A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais
pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso


A questão da exclusão das matérias que envolvam erro judiciário do âmbito do
contencioso administrativo já foi analisada anteriormente.

Em relação à exclusão das ações de regresso, e na opinião do Prof. Vasco Pereira da
Silva, ainda se compreende de pior forma o motivo pelo qual elas são excluídas do
domínio da jurisdição administrativa. As ações de regresso dizem respeito às situações
em que o estado respondeu solidariamente ao pagamento da indemnização e vem,
depois, ressarcir-se daquilo que pagou perante o órgão incumpridor da norma jurídica.
Assim sendo, coloca-se a questão de saber se faz sentido que estas ações sejam da
competência dos tribunais comuns. O Prof. Vasco Pereira da Silva tem as suas dúvidas.
As ações de regresso devem ser sempre da competência do tribunal que julgou a
responsabilidade civil.

b) “A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja
uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de
emprego público”


Em causa está a exclusão das matérias que envolvam litígios decorrentes de contratos de
trabalho em que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público. O problema
que se coloca prende-se com a discrepância de tratamento com que é aflorada a questão.

É que hoje já não se fala em “função pública”. Os antigos funcionários públicos, com
exceção dos polícias, trabalhadores das alfândegas e altos funcionários das Finanças,
têm um contrato laboral no exercício de funções públicas, mesmo tendo celebrado, à
data do seu ingresso na carreira, um contrato administrativo. O incumprimento de uma
ordem de um trabalhador vinculado à Administração mediante um vínculo de emprego
público é do âmbito da jurisdição administrativa, ao passo que, se em causa estiver um
vínculo laboral decorrente de um anterior contrato administrativo, tal matéria estará
excluída do domínio do contencioso. E ambas as realidades são materialmente
administrativas, pelo que não faz sentido que sejam alvo de tratamento desigual.

c) “A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da
Magistratura e seu Presidente”


Em causa está a exclusão de atos materialmente administrativos praticados pelo
Conselho Superior da Magistratura. Ora, o órgão em questão é um órgão do estado, pelo
que estes atos deviam estar incluídos no âmbito do contencioso administrativo.

d) “A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça.”


Em causa está a exclusão de atos materialmente administrativos praticados pelo
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Ora, o órgão em questão é um órgão do
estado, pelo que estes atos deviam estar incluídos no âmbito do contencioso
administrativo.





Aluno: Rosário Kalenga da Silva
Número: 140114053 





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