As transformações internas do conceito de Ato Administrativo introduzidas pela reforma do Contencioso Administrativo

Procedi à analise de duas das várias modificações internas sobre o conceito de ato administrativo, introduzidas com a reforma do contencioso administrativo (CA).

A primeira grande transformação, foi o alargamento da impugnabilidade dos atos administrativos, que passa a ser determinada em razão da eficácia externa da lesão dos direitos dos particulares (art.51º, nº1 do CPTA), em conformidade com o art.268º, nº4 da CRP.

Em primeiro lugar devemos analisar qual é esta lesão de direitos. Esta consiste num pressuposto processual relativo ao ato administrativo e não à legitimidade das partes. Contudo, devemos ver duas perspetivas diferentes relativamente a esta lesão de direito. A primeira é o facto de que um ato administrativo pode estar em condições de produzir uma lesão em posições substantivas dos particulares, encontrando-se em causa a verificação de um pressuposto processual relativo ao comportamento da Administração Pública (AP).
Sendo a segunda, o facto de ser o particular da titularidade de um direito a alegar, que foi lesado por um administrativo ilegal, encontrando-se em causa um pressuposto processual relativo aos sujeitos.

Em segundo lugar, entende-se que a constituição ao estabelecer um direito fundamental de impugnação de atos administrativos suscetíveis de lesar os direitos dos particulares (art.268º, nº4), quer conferir um modelo de justiça administrativa predominantemente subjetiva, que tem por função e natureza principais a proteção dos direitos dos particulares.  

A constituição Portuguesa não é uma lei de processo, logo se é inequívoco que, sempre que estão em causa direitos dos particulares, o critério de apreciação jurisdicional das atuações administrativas seja o da suscetibilidade de lesão das respetivas posições substantivas, isso não significa que o contencioso administrativo não possa desempenhar também, de uma forma complementar, uma função de tutela direta da legalidade e do interesse público, o que no nosso sistema é realizado através dos mecanismos da ação pública e da ação popular.

Assim, exigia-se ao legislador da reforma que consagrasse o critério do ato lesivo sempre que esteja em causa a ação para defesa de posições substantivas dos particulares, concretizando assim as opções da constituição, e também que estabelecesse outro critério de impugnabilidade de atos administrativos sempre que esteja em causa a tutela direta da legalidade e do interesse público.

Assim, o critério da impugnabilidade do ato administrativo, sem se confundir com o pressuposto processual da legitimidade, depende da questão de saber se está em causa uma ação jurídico-subjetiva ou, em alternativa, uma ação pública ou uma ação popular.

Está, portanto, correta a solução encontrada pelo legislador em matéria de impugnabilidade, ao referir-se a atos com eficácia externa e a atos lesivos.

Assim temos de distinguir consoante o tipo de ação que se tratar. Pode ser uma ação para a tutela de um direito do particular em face da AP, caso em que o meio processual de impugnação assume uma função predominantemente subjetiva- pois destina-se a garantir uma tutela plena e efetiva do particular, e ainda a tutela da legalidade e do interesse público, (e nesse caso o critério de impugnabilidade é o determinado pela lesão dos direitos dos particulares).
Como pode ser uma ação para defesa da legalidade e do interesse público (como sucede nos casos da ação pública e da ação popular), em que a função do meio processual é predominantemente objetiva e, portanto, depende da eficácia externa do ato administrativo.

Contudo, o art.51º, nº1 parece dar a entender que o critério mais amplo é o da eficácia externa, sendo o critério da suscetibilidade de lesão de direitos uma mera especificação do primeiro, quando na verdade tratam-se de dois critérios autónomos, com natureza e funções diferentes.

Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, esta aparente subalternização do critério da suscetibilidade de lesão de direitos é teoricamente insustentável de uma perspetiva qualitativa (segundo a CRP, a função principal da justiça administrativa é a da proteção jurídica subjetiva), como quantitativa (a maior parte dos processos julgados nos tribunais administrativos corresponde a ações para defesa de direitos, sendo menos frequentes nos casos de ação pública e de ação popular).

É também expressamente contrariada pelo regime jurídico consagrado no código, que prevê a impugnação de atos desprovidos de eficácia externa (art.54º), desde que lesivos (a provar que o critério da lesão funciona para além do da eficácia externa).

Conclui, portanto, que a suscetibilidade de lesão de direitos e eficácia externa são dois critérios distintos de impugnabilidade dos atos administrativos, que dependem da natureza e da função do meio processual em causa.

A segunda transformação foi a extensão da impugnabilidade decorrente da possibilidade de apreciação dos atos procedimentais.

Esta extensão implica a relevância jurídica autónoma do procedimento e o abandono da ideia de “definitividade horizontal” dos atos administrativos como critério de impugnabilidade, também aqui dando cumprimento, pela via legislativa, ao imperativo da lei fundamental que tornara inconstitucional aquela exigência.

Os atos de procedimento são suscetíveis de impugnação autónoma (art.51º, nº1 do CPTA), o que significa a continuação da transformação de um CA outrora exclusivamente centrado no ato administrativo, num processo que passa a alargar o seu objeto às relações jurídicas administrativas, designadamente as que têm lugar no decurso do procedimento.

Assim, perante um ato administrativo, a única coisa que é preciso saber é se ele afeta imediatamente ou não os direitos dos particulares, não tendo relevância o facto dele ter sido praticado no inicio, no meio ou no fim do procedimento.


Duarte Goes - 140 114 157

Comentários

Mensagens populares