FORMA DA ACÇÃO ADMINISTRATIVA vs FORMA DOS PROCESSOS URGENTES

 A acção administrativa é a forma de processo a que corresponde à generalidade das pretensões, que não colocam exigências que o legislador considere deverem corresponder a uma forma de processo especial.

O âmbito de aplicação desta forma de processo é, assim, delimitado, na economia do CPTA, enquanto processo declarativo comum do contencioso administrativo, em função do âmbito de aplicação dos processos declarativos especiais urgentes instituídos nos artigos 97º a 111º.

Nos tipos de situações que o Código faz corresponder a cada uma das cinco formas de processos declarativos urgentes, os interessados devem, assim, utilizar estas cinco formas de processo, que, em substituição da forma não-urgente da acção administrativa, são instituídas  em função do reconhecimento pelo legislador da existência de situações de urgência que exijam a obtenção, de modo mais célere, de uma pronúncia sobre o mérito da causa.

Nos termos do artigo 37º, nº 1, a forma de acção administrativa é aplicável a todos os litígios sujeitos à jurisdição administrativa relativamente aos quais não esteja expressamente estabelecida uma regulação especial, pelo CPTA ou por legislação avulsa.

No que respeita ao CPTA, a partir de 2015, a exclusão diz respeito apenas aos "processos urgentes", dado que, foi eliminada a diferença entre acção administrativa comum e acção administrativa especial.

O mesmo preceito, no nº 2, repetindo praticamente o disposto no nº 2 do artigo 2º, enumera, exemplificativamente, por razões sobretudo pedagógicas, os pedidos mais comuns que podem ser apresentados junto dos tribunais administrativos.

Somam-se, agora, aos pedidos relativos a actos administrativos e normas, que pressupõem o exercício de poderes administrativos de autoridade (designadamente o primitivo pedido de anulação de um acto administrativo impugnável) e às acções tradicionais (acções sobre contratos e sobre responsabilidade e as mais recentes acções de reconhecimento de direitos), todo um conjunto de litígios, em que os particulares ou as próprias entidades públicas pedem, contra a Administração ou contra particulares, providência de diversos tipos (de apreciação, condenatórias, constitutivas), relativas a diferentes situações, mantendo-se o cuidado de identificar os casos mais importantes, em termos de inovação ou de dúvida, face ao direito anterior a 2002. Portanto, a forma da acção administrativa corresponde ao processo declarativo comum do contencioso administrativo, isto é, ao modelo processual que deve ser aplicado na generalidade das situações, que o CPTA ou eventual lei especial não façam corresponder a uma forma de processo especial.

Relativamente aos processos urgentes, o CPTA prevê, no Título III, cinco tipos de situações em que, sem prejuízo da existência de outras que possam ser previstas em legislação especial (cfr. a ressalva no início do artigo 36º, nº 1), entende existir a necessidade de obter, com urgência uma decisão de fundo sobre mérito da causa e, por esse motivo, institui cinco formas de processo especiais, caracterizados por um modelo de tramitação simplificado ou, pelo menos, acelerado em razão da urgência.

Estas cinco formas de processo têm por objecto as questões do contencioso eleitoral cuja apreciação é atribuída à jurisdição administrativa (artigo 98º), os litígios respeitantes a procedimentos de formação de certos tipos de contratos (artigos 100º a 103-B) e os pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104º a 108º) e para a protecção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109º a 111º). 

O CPTA dá ao Título III o nome de "processos urgentes" porque as cinco formas especiais de processo nele previstas são, na verdade, instituídas em razão da urgência na obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa por forma mais célere do que a que resulta da tramitação da acção administrativa. Por esse motivo, essas formas de processo são qualificadas no artigo 36º, nº 1, como formas de processo urgentes, para o efeito de lhes ser aplicável o regime dos artigos 36º, nºs 2 e 3, e 147º.

As cinco formas de processos declarativos urgentes são:

1ª - Contencioso eleitoral, dos procedimentos de massa e pré- contratual

       A estrutura do Título III assenta na bipartição entre "acções administrativas urgentes" e "intimações".

  As acções administrativas urgentes, previstas nos artigos 97º a 103º-B, podem ter por objecto a impugnação de actos administrativos, a condenação à prática de actos administrativos ou impugnação de normas regulamentares e, de acordo com o artigo 97º, regem-se, no que não contenda com o disposto nos artigos 98º a 103º-B, pelos capítulos II e III do Título II do CPTA, que disciplinam a acção administrativa. 
  O modelo de tramitação a seguir no âmbito dos processos do contencioso eleitoral é, portanto, o da acção administrativa, que consta do capítulo III do Título II (cfr. artigos 78º e ss), com as especialidades previstas no nº 4 do artigo 98º, que reduz os prazos a observar ao longo do processo e fixa em cinco dias o prazo para decisão do juiz ou relator. E o mesmo se diga, no que respeita aos processos do contencioso dos procedimentos de massa, por referência ao nº 5 do artigo 99º.

 Também no contencioso pré-contratual urgente dos artigos 100º ss., respeitantes aos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação dos contratos enunciados no nº 1 do artigo 100º, a tramitação a seguir é a da acção administrativa (artigos 78º e ss.), com as especialidades previstas no artigo 102º, que limita a possibilidade da apresentação de alegações aos casos em que seja requerida ou produzida prova com a contestação (artigo 102º, nº 2) e reduz os prazos a observar ao longo do processo (102º, nº3). O nº 5 do artigo 102º prevê, entretanto, a possibilidade de o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do das partes, optar pela realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito.

  Antes da revisão de 2015, o anterior artigo 103º - que correspondia ao actual nº 5 do artigo 102º - estabelecia que, no âmbito desta eventual audiência, as alegações finais eram proferidas por forma oral, e que, no seu termo, seria imediatamente ditada a sentença. É provável que estas determinações tenham contribuído para que a solução não tenha tido relevante utilização prática durante os primeiros anos de aplicação do CPTA, afigurando-se, na verdade, que, tal como estava configurada, ela não se mostrava adequada à gestão de litígios revestidos de maior complexidade. Pode ser que a nova redação do nº 5 do artigo 102º, que eliminou as referidas imposições, possa dar resposta mais adequada, para o efeito de, por exemplo, permitir a realização de audiências com a intervenção de peritos.

  Os novos artigos 103º-A e 103-B preveem, entretanto, dois tipos de incidentes específicos do contencioso pré-contratual. 

  O primeiro desses incidentes, previstos nos nºs 2 a 4 do artigo 103º-A, está relacionado com oefeito suspensivo automático que o nº 1 do mesmo artigo associa à propositura das acções de impugnação de actos de adjudicação, podendo ser intentado pela entidade demandada ou pelos contra-interessados para obter o levantamento desse efeito suspensivo, com o argumento de que o deferimento da celebração e/ou execução do contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. Intentado o incidente, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que cumpre ao juiz decidir, por aplicação do critério da ponderação de interesses do nº 2 do artigo 102º.

  O outro incidente, previsto no artigo 103º-B, pode ser intentado nas acções cuja propositura, por não terem por objecto  a impugnação de actos de adjudicação, não tem o referido efeito suspensivo automático, e pode ser, por isso, intentado pelo requerente, para obter a adopção de medidas provisórias "dirigidas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença vem a ser produzida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível reinstuir o procedimento pré-contratual para nele se determinar quem nele seria escolhido como adjucatário" (artigo 103º-B, nº 1).

  Com efeito, resulta, hoje, da conjugação do artigo 103º-B com o artigo 132º que, com a revisão de 2015, deixou de haver lugar,  no âmbito dos processos do contencioso pré-contratual urgente, tal como delimitado pelo nº 1 do artigo 100º, à adopção de providências cautelares, segundo o regime estabelecido nos artigos 112º e ss.. Na verdade, em vez de intentar um processo cautelar, o autor tem, nesse domínio, a possibilidade de intentar o incidente de adopção de medidas provisórias, previsto no artigo 103º-B, que, como estabelece o nº 2 deste artigo, corre termos nos autos próprio processo declarativo segundo uma tramitação muito flexível, que ao próprio juiz cabe fixar, no respeito pelo contraditório, em função da complexidade da urgência do caso. A adopção das medidas provisórias é decidida por aplicação de um critério de ponderação de interesses, previsto no nº 3 do artigo 103º-B em termos paralelos aos que, para os processos cautelares, resultam do nº 2 do artigo 120º.

2ª - Intimações

       Pode dizer-se que os processos de intimação são processos urgentes que se caracterizam por se dirigirem à emissão de uma imposição, pretendendo-se, com esta expressão, qualificar uma pronúncia de condenação que, com carácter de urgência, é proferida no âmbito de um processo de cognição sumária. Para além das duas formas de processos de intimação que o CPTA constitui e regula nos artigos 104º a 111º, outros podem ser previstos por lei especial.

1. Intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões (arts. 107º e 108º)

       O primeiro dos processos de intimação que o CPTA regula no Título III é o processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104º a 108º). Trata-se de um processo que tanto pode funcionar como um meio acessório, nos termos dos artigos 60º e 106º, como pode funcionar como um meio autónomo, por meio do qual podem ser exercidos o direito à informação procedimental e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (para a caracterização do objecto do desta forma de processo).

     A simplicidade da tramitação estabelecida no artigo 107º afigura-se adequada à natureza das questões que nesta forma de processo cumpre apreciar e das indagações que, para o efeito, são necessárias. Assim, uma vez recebido o requerimento de intimação apresentado pelo autor, a secretaria promove oficiosamente a citação da entidade demandada para responder no prazo de 10 dias. Uma vez apresentada a resposta ou decorrido o respectivo prazo, segue-se a decisão do juiz, a menos que este considere necessária a realização de diligências complementares. A celeridade do processo é, entretanto, naturalmente reforçada pela aplicação do regime próprio dos processos urgentes, que resultados artigos 36º, nºs 2 e 3, e 147º.

2. Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - modelos de tramitação (arts 110º e 111º)

       O segundo dos processos de intimação que o CPTA regula no Título III é o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109º a 111º: para a caracterização do seu objecto).

    Do ponto de vista do regime estabelecido quanto à sua tramitação, foi dito na exposição de motivos da proposta de lei que esteve na origem do CPTA que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é "um instrumento que se procurou desenhar com uma grande elasticidade, que o juiz deverá dosear em função da intensidade da urgência, e que tanto poderá seguir os termos da acção administrativa especial, com os prazos reduzidos a metade, como em situações de especial urgência, poderá conduzir a uma tomada de decisão em 48 horas, mediante audição oral das partes".

   Como se tem dito, este processo é, portanto, configurado segundo um modelo polivalente ou de geometria variável, que se pretende que seja adequado a intervir:

   a) Nas situações de urgência normal, em que o processo segue os trâmites previstos nos nºs 1 ou 2 do artigo 110º, que podem ser, "quando a complexidade da matéria o justifique", os da acção administrativa, ainda que com os prazos reduzidos a metade (artigo 110º, nº 3);

   b) "Em situações de especial urgência, em que a petição permita reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia", estabelece o nº 3 do artigo 110º que o juiz pode reduzir o prazo fixado no nº 1 do artigo 110º ou promover a audição do requerido através de qualquer meio de comunicação que se revele adequado, ou optar mesmo pela realização, no prazo de 48 horas, de uma audiência oral, no termo da qual a decisão é tomada de imediato".

   Do ponto de vista da tramitação a seguir, pode, assim, que o modelo comporta quatro possibilidades distintas:

   a) Modelo normal. Corresponde aos processos desencadeados em situações de urgência normal e que apresentam uma complexidade normal de apreciação. Está regulado no artigo 110º, nº 1.

    b) Modelo mais lento do que o normal. Corresponde aos processos desencadeados em situações de urgência norma, mas cuja apreciação se reveste de uma complexidade fora do normal. Por remissão do artigo 110º, nº 2, este modelo é o da acção administrativa (cofr. artigos 78º e ss.), com os prazos reduzidos a metade.

    c) Modelo mais rápido do que o normal. Corresponde a processos desencadeados em situações de especial urgência. Por remissão do artigo 110, nº 3, alínea a), é o modelo regulado no nº 1 do mesmo artigo, mas com redução do prazo aí previsto para a citação do requerido.

    d) Modelo ultra-rápido. Corresponde a processos desencadeados em situações de extrema urgência e segue termos informais muito simplificados, que podem passar pela audição do requerido por qualquer meio de comunicação, o que inclui o telefone (artigo 110º, nº 3,alínea b)), ao resumir-se à já referida realização, em 48 horas, de uma audiência oral, no termo do qual o juiz decidirá de imediato (artigo 110º, nº 3, alínea c)).

    Expressão privilegiado do direito à tutela jurisdicional efectiva, resta acrescentar que o acesso à tutela proporcionada pelo processo de intimação para a protecção de direito, liberdades e garantias é praticamente afastado no domínio da aplicação de sanções disciplinares ao abrigo do Regulamento de Disciplina Militar. Com efeito, na sequência da previsão, no artigo 7º da Lei nº 34º/2007, de 13 de Agosto, da intervenção de assessores militares do Ministério Público junto dos tribunais administrativos no âmbito dos processos referentes a esse tipo de sanções, o artigo 4º da Lei nº 79/2009, de 13 de Agosto, veio prever que, no âmbito dos processos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei nº 34/2007, os assessores militares do Ministério Público junto dos tribunais administrativos emitem parecer prévio, não vinculativo, relativamente aos requerimentos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, requerimentos para adopção de providências cautelares e decisões que ponham termo ao processo, devendo esses pareceres ser emitidos no prazo de 10 dias a contar da notificação, promovida oficiosamente pela secretaria, da apresentação dos requerimentos referidos ou da adopção da decisão que ponha termo o processo.

     Como é evidente, este regime não se compadece com qualquer urgência, consubstanciando-se, deliberadamente, na subreptícia denegação, no domínio da disciplina militar, do acesso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias em situação de especial urgência, em termos que se se afiguram desproporcionados e, por isso, desconformes à garantia constitucional dos artigos 20º, nº 5, e 268º, nº 4, da CRP (para a apreciação mais detalhada do regime introduzido pelas duas leis referidas, que se refere, sobretudo, à matéria atinente aos processos cautelares).



      Bibliografia geral: MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos,4ª ed., 2005, p. 93-130;137-241; IDEM, Manual de processo administrativo,2ª ed., p.339-344; 387-393; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotado, 2004, p. 258-457; MÁRIO A. ALMEIDA/CARLOS CADILHA, Cmentario ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,3ª ed., 2010, p. 225-505; VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise,2005, Capítulos IV e V.




         Cesário André Reis dos Santos - 140113504



  

   

                   

   

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