Parecer MP

Excelentíssimos Srs. Drs. Juízes de Direito do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa

Vem por este meio o Ministério Público emitir parecer pré-sentencial, como é sua competência, incidente sobre o Processo nº XXXX:

1º- Legitimidade de actuação do Ministério Público
O Ministério Público tem a competência de representar o Estado, defender a legalidade democrática (legalidade objectiva) e os interesses que a lei determinar, promover a realização do interesse público, exercendo os poderes que a Lei processual lhe atribui para esse fim (artigo 219º/1 da CRP; artigo 3º e 5º dos Estatutos do Ministério Público; artigo 51º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e nº2 do artigo 85º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos). Cabe ainda ao Ministério Público, a título consultivo, emitir parecer, restrito à matéria de legalidade objetiva, nos casos de consulta previstos na lei (artigos 3º/1, m) e 37º, a) Estatuto do Ministério Público).
Emitindo apenas parecer, a intervenção do Ministério Público está limitada à pronúncia sobre o mérito da causa com a finalidade de defender os direitos fundamentais dos cidadãos, os interesses públicos, os interesses difusos ou colectivos e também os valores ou bens referidos no nº2 o artigo 9º CPTA (artigo 85º/2 CPTA). 
Não sendo parte no processo, o Ministério Público abster-se-á de se pronunciar sobre questões processuais, cingindo-se às questões materiais relativas ao mérito da causa (Acórdão STA, de 10.07.2013, Processo n.º 0498/13).No presente parecer pré-sentencial, o Ministério Público intervém enquanto parte acessória nas questões em que haja violação da Legalidade (artigo 152º e 155º CPTA). 
Por estar em causa uma alegada violação do Princípio da Igualdade (artigo 13º da CRP e artigo 6º do CPA) quanto ao tratamento desigual sobre o autor,  poderia colocar-se a questão de saber se há um tratamento  exatamente igual ou não face às outras discotecas. A questão levanta-se. Foram ainda alegados pelos autores uma violação do Principio da Proporcionalidade  e um vício de desvio de poder para fins de interesse privado, entre outras ilegalidades. Umas das competências do Ministério Público é prosseguir “interesses públicos especialmente relevantes”, no entanto este conceito é de difícil definição. Recorrendo ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10/07/2013, Processo nº0498/13, percebe-se que é um conceito definido equitativamente tendo em conta a importância dos interesses em litígio e a intensidade da lesão sempre tendo em conta os efeitos da resolução para a boa administração da justiça no caso concreto.
Por fim, cabe mencionar a oportunidade da intervenção do Ministério Público na presente acção, com respeito pelo disposto no artigo 85º, nº4 CPTA.


A

- Competência do Ministério da Administração Interna (M.A.I.)

O objecto do despacho integra a competência do M.A.I., tal como definida nos artigos 1º e 2º da Lei Orgânica do M.A.I..
Dadas as 38 queixas efectuadas à policia e o vídeo publicado na internet, torna-se evidente que havia uma situação contrária à ordem, segurança e tranquilidade públicas. Havendo ameaça a estes valores, pode o M.A.I. intervir.
Da interpretação conjugada do artigo 48º/1 do Decreto-Lei 316/95 (onde se prevê a competência para o Governador Civil -figura extinta-) e dos artigos 14º da Lei Orgânica do M.A.I. e 38º do Decreto-Lei 114/2011 (onde se faz a transferência dessa competência da figura extinta para o M.A.I.) conclui-se que esta competência é do Ministro da Administração Interna.
Mais, de acordo com o artigo 48º do Decreto-Lei 316/95, o M.A.I. pode encerrar um espaço de diversão noturna quando há susceptibilidade de violação da ordem, segurança ou tranquilidade públicas.
Pelo acima exposto, é verdade que o Ministro da Administração Interna agiu dentro das suas atribuições e competência, de acordo com o Princípio da Legalidade patente no artigo 3º/1 do CPA.


3º - Quanto à falta de Fundamentação Adequada

Alega o autor nos pontos 22 e 23 da sua P.I. falta de fundamentação (151º/ d) + 152º/1 a) CPA) e falta da “indicação dos condicionamentos a satisfazer para que a reabertura seja permitida” – 48/2 do Decreto-Lei 316/95. 
Cabe dizer que foi dada pelo M.A.I. uma fundamentação, baseada na prática reiterada de comportamentos que atentam contra direitos fundamentais, fundamentação essa que é expressa e que não manifesta entre os seus argumentos e decisão qualquer tipo de contradição (153º/1; 153º/2 CPA).
Ainda quanto à alegada falta de coerência entre as omissões anteriores (38 queixas) e ação perante o vídeo viral publicado na Internet, não existe também qualquer incoerência. Isto porque o Ministério Público abriu investigação às queixas, não tendo reagido formalmente por falta de indícios suficientes à data.  O vídeo, como facto determinante destes indícios, é razão justificativa para que passe a haver, agora, uma reação formal. 


4º - Quanto ao Princípio da Proporcionalidade


O M.A.I. aponta uma margem de discricionariedade que assiste ao mesmo nesta situação. Afastamos este argumento porque o principio da proporcionalidade estabelece requisitos que, embora possam ter alguma subjetividade, jamais têm discricionariedade.
Cabe então submeter a medida tomada pelo M.A.I. ao teste da proporcionalidade. 

Tanto o autor como a ré dão como certo que a atuação foi idónea a produzir os efeitos desejados (cessação da violação da ordem publica).

Quanto à necessidade do meio utilizado, considera-se que haveriam outros métodos, como por exemplo um forte policiamento que seriam idóneos a produzir os efeitos queridos. No entanto, se assim se fizesse, verificar-se-ia uma violação da proporcionalidade em sentido inverso ao alegado pelo autor, isto porque o elevado esforço humano e monetário necessário à realização desse outro meio exige do interesse publico um grande sacrifício. Parece desproporcional despender tais meios pertencentes ao domínio público para garantir a efetividade de um direito subjetivo de um particular que, mais ainda, põe em causa direitos fundamentais da população em geral.

A medida é ainda proporcional, strictu sensu, porque a violação do direito à integridade física, com perturbação recorrente (38 queixas) da ordem pública justifica o encerramento temporário do estabelecimento em causa com vista ao restabelecimento da mesma.


- Quanto ao Princípio da Igualdade

Alega ainda o autor uma violação do principio da igualdade por terem sido tomadas medidas quanto a esta e não a outras discotecas.  Recorde-se que o princípio da igualdade obriga à diferenciação. É diferente a situação deste espaço já de nenhum outro se recebeu tão elevado número de queixas, muito menos um vídeo como o constante dos anexos da Contestação. Considera-se por isso que há base para um tratamento diferenciado, que não se considera que ultrapasse a medida da diferença, cuja medida é larga, como se explicou supra (ponto 4º).



6º - Quanto ao desvio de poder para fim de interesse privado

O Ministério Público coloca de lado este argumento já que o fim prosseguido com a atuação do M.A.I. é um fim de interesse público (restabelecimento da ordem pública).



- Quanto à alegada coação moral

Na P.I. alega o autor que a decisão do Ministro da Administração Interna não cumpre o requisito, apontado pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral, da vontade livre e esclarecida do agente. Afirma ainda que a decisão foi tomada sob coação moral. 

Sabe-se que coação moral implica uma ameaça que seja ilícita. Não houve qualquer ameaça ao Ministro nos termos definidos pelo autor. Ainda que houvesse ameaça, esta nunca seria ilícita nos termos em que autor o definiu, já que o direito de voto é um direito fundamental consagrado na Constituição.

Aliás, se se aceitassem a premissas do autor, e levando o argumento ad absurdum, qualquer decisão política que fosse polémica e em que houvesse vontade popular manifestada seria nula nos termos do artigo 161º/2/f) do CPA.



8º - Quanto à Responsabilidade da “Beating you at the beach”


A verificar-se a autenticidade do comunicado emitido por João Exterminador Implacável apresentado pelo MAI, torna-se evidente que o dono da discoteca, Vítor Coriolano, não só tinha conhecimento como coadunava com os comportamentos ilícitos da empresa de segurança “Os Brutamontes”. Ainda que desconhecesse, desconhecia por culpa sua, uma vez que os seguranças estavam sujeitos a poder de direção e supervisão por parte da discoteca.

Para o Ministério Público mostra-se irrelevante a questão de se o passadiço onde ocorreu o incidente pertence ou não ao domínio de propriedade da discoteca porque independentemente disso os seguranças que aparecem no video estavam fardados e na esfera de influência da discoteca. 
Na opinião do M.P., não ficou completamente claro em juízo o horário de funcionamento da discoteca nem o de trabalho dos seguranças, mas uma vez que, como foi testemunhado: “as pessoas estavam a sair, as luzes estavam acesas” e que, pelos desacatos que terão ocorrido antes do que se vê no video “chamaram-se os seguranças”, conclui-se que os seguranças estavam a atuar no âmbito das suas funções.
Mais, foi testemunhado em juízo por um segurança da empresa BRUTAMONTES que por vezes lhes era ordenado que “patrulhassem” as imediações da discoteca. Foi dito ainda pela mesma testemunha que lhe eram dadas ordens por dirigentes tanto da discoteca como da empresa de segurança.
Uma vez que havia um contrato de trabalho temporário (172º-B do Código do Trabalho) entre a “Beating you at the beach” e  a empresa OS BRUTAMONTES, os dirigentes da discoteca tinham poder de direção sobre os seguranças.
Assim sendo, estabelece-se entre a discoteca e os seguranças uma relação de comissão pelo que a responsabilidade da discoteca é objectiva (500º Código Civil).


8º A - A questão da Legítima defesa 

O MAI, na sua contestação aceita o facto referido no nº2 da PI. Diz-se no mesmo que ação dos seguranças teve como fundamento a proteção de outras pessoas. Sendo este facto aceite pelo MAI, é dado como provado, de acordo com o disposto no artigo 118º/2 CPTA.
Sendo o objectivo a proteção de terceiros e do seu direito à integridade física, tal como consagrado no artigo 25º da Constituição da República Portuguesa, CRP, levanta-se a questão da legítima defesa, já que, agindo nesta sede, tanto os seguranças como a discoteca seriam desresponsabilizados, passando a ação do M.A.I a ser injustificada. 
A legítima defesa, tal como definida no artigo 337º do Código Civil e enquanto principio geral de direito,  é uma causa de exclusão da ilicitude que permite a alguém defender-se a si ou a outro de uma agressão atual e contrária à lei, como foi alegado pelo autor e suas testemunhas. Ainda assim o excesso provado pelo vídeo em questão não pode jamais ser justificado uma vez que não havia justo receio (aparecem no vídeo mais seguranças que jovens).


9º - Quanto à invalidade do Ato Administrativo
Conclui-se então que ato administrativo não é nem nulo nem anulável nos termos propostos pelo autor.


B

9º - Quanto à restrição à liberdade de exercício da profissão (47º CRP)

É verdade que existe tal restrição, mas a opinião do Ministério Público é de que ela é plenamente justificável pelos valores superiores em causa (18º/2 CRP). Os valores a proteger são comprovadamente superiores porquanto não podem ser suspensos, nem em estado de emergência (19º/6 CRP).


10º - Quanto ao Princípio da Proporcionalidade 

Quanto à proporcionalidade da decisão de cancelamento do alvará procedem os mesmos argumentos supracitados em relação ao autor, acrescidos do facto de a empresa OS BRUTAMONTES prestar maioritariamente serviços junto de pessoas especialmente vulneráveis, pelo que se justifica serem apuradas responsabilidades e escrutinado o modo de atuação da empresa em todos os seus locais de atuação antes de se considerar o restabelecimento do alvará. 


11º - Quanto à violação de outros Princípios
Quanto aos princípios da justiça e razoabilidade (8º CPA), é claro o artigo 53º do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada, que prevê expressamente a possibilidade de cancelamento do alvará em caso de incumprimento reiterado da mesma lei. Fica isto provado pelo facto de haverem 38 queixas no ano transacto.
Concluí-se que não têm fundamento as alegadas violações dos princípios da boa fé e imparcialidade (10º e 9º do CPA) feitas pelo assistente.


12º - Quanto à invalidade do Ato Administrativo
Conclui-se então que ato administrativo não é nem nulo nem anulável nos termos propostos pelo autor.



Face ao exposto:
a) Deve ser considerada improcedente a ação  de impugnação proposta pelo autor 
b) Deve ser considerada improcedente a ação de impugnação proposta pelo assistente


Os Magistrados do Ministério Público:
Duarte Borges Coutinho
João Capela 
Mafalda Baudouin 

M. Siddik Hameed

Comentários

Mensagens populares