Condenação da Administração Pública à emissão de normas

A introdução do mecanismo de condenação da Administração Pública (AP) à emissão de normas deu-se de forma lenta. De facto, os traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo, usando a expressão do professor Vasco Pereira da Silva, conduziram a uma separação entre o conceito de julgar e de administrar, separação essa que provinha do conceito de separação de poderes.

Com efeito, entendia-se que o juiz não podia dar ordens à AP, na medida em que este assumiria o papel da Administração, violando o poder discricionário da AP e o princípio da separação de poderes. Porém, aqui existe uma confusão dos conceitos ou matérias que se estão a julgar. O facto de se condenar a AP a praticar determinado acto administrativo corresponde à tarefa de julgar, pois não há qualquer tipo de substituição do tribunal perante a Administração, visto que não será o juiz a criar e a definir a forma e o conteúdo do acto devido.

Com a criação do Estado Social, acompanhada de uma maior colaboração entre as funções estaduais (legislativa, administrativa e judicial), tornou-se clara a necessidade de reformular o conceito de separação de poderes, nomeadamente a necessidade abandonar a ideia de total separação entre os tribunais e a Administração Pública. Assegurando-se, assim, uma maior eficácia das funções da Administração e uma maior protecção dos direitos e interesses dos particulares. É neste sentido que foi criada a figura da inconstitucionalidade por omissão (art. 283º da CRP) e da "determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos" (art. 268º/4 da CRP).


É neste quadro que surge a norma do art. 77º do CPTA. No entendimento do professor Paulo Otero e do professor João Caupers, um mecanismo desta natureza era imprescindível para que fosse possível reagir contra omissões da Administração Pública. Quando foi introduzido, em 2004, defendia-se que o que estava em causa era a declaração de ilegalidade da omissão, tendo a sentença um valor meramente declarativo. Contudo, o professor Vasco Pereira da Silva defendia que era uma verdadeira sentença condenatória, o tribunal verificava a ilegalidade e condenava a Administração Pública à prática de um regulamento devido. Este mecanismo não se consubstancia numa violação da separação de poderes mas sim num controlo contencioso eficaz, que pretende que a AP cumpra os seus deveres legais.

Analisando em concreto o art. 77º do CPTA, por um lado, existe um pedido imediato, que tem que ver com a condenação da AP à emissão de uma norma jurídica, caso exista uma ilegalidade relativa ao incumprimento de determinada conduta. Por outro lado, no nº 2, o tribunal deve fixar um prazo para a emissão do regulamento devido. Assim, podemos afirmar com certeza de que se trata de uma verdadeira sentença condenatória pois os poderes do tribunal assumem essa natureza.

O nº1 define ainda os pressupostos processuais necessários. Note-se que aqui a legitimidade é mais alargada relativamente à legitimidade para impugnação de um acto. Estamos perante uma realidade mais objectiva, em que o acto, ou a falta dele, não afecta directamente uma pessoa. Nesta linha, é razoável que se estabeleça mecanismos de acção popular, de forma a efectivar esta realidade mais objectiva. Por conseguinte, têm legitimidade i) o Ministério Público; ii) as pessoas e entidades referidas no art. 9º/2; iii) os presidentes de órgãos colegiais, relativamente a normas omitidas por estes órgãos; iv) quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão.

Por fim, é de notar que este mecanismo tem sido mais utilizado em matéria de urbanismo, nomeadamente pelo Ministério Público, de forma a condenar as autarquias à elaboração do Plano Director Municipal.

Parece-me que a introdução deste mecanismo é de louvar, visto que, por um lado, supera os traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo, ultrapassando uma visão errada das funções do Estado. E, por outro lado, permite uma maior garantia/defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e demais entidades que possam fazer valer o seu direito.

João Cortes Martins
140114036


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