Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva

O princípio da tutela jurisdicional efectiva; Implicações nas formas de processo e na cumulação de pedidos

Princípio da tutela jurisdicional efetiva 

Artigo 2º (CPTA)
Tutela jurisdicional efetiva 

1. O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão. 
2. A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: (...). 

O princípio da tutela jurisdicional efetiva procura que a sentença produza o efeito que mais eficazmente proteja a posição ou pretensão do autor. Os momentos normativos que integram a garantia de uma tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos são o direito de acesso ao direito e aos tribunais, o direito a obter uma decisão judicial, o direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável, o direito a obter uma decisão judicial mediante processo equitativo e o direito à efetividade das sentenças proferidas. É de especial importância referir que todas estas faculdades se interpenetram. Por exemplo, o prazo razoável não respeita, em rigor, apenas à obtenção da decisão, mas à obtenção do respectivo cumprimento em termos eficientes. 
O art. 20º CRP garante, em geral, aos cidadãos o direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os direitos à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário (nº1 e 2). Estes direitos podem ser agregados num direito geral à proteção jurídica. O núcleo essencial desta garantia é constituído pelo direito à proteção pela via judicial (i.e., direito a uma decisão em prazo razoável, mediante processo equitativo). O direito à proteção judicial é ainda reforçado, ao nível constitucional, pelo art. 205º, que determina, nos nº2 e 3, a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de legislação que garanta a sua execução efectiva. Como concretização deste direito geral à proteção judicial, a Constituição consagra especificamente no art. 268º nº4 e seguintes, o princípio da tutela judicial efetiva dos cidadãos perante a Administração Pública. Este princípio constitucional é reafirmado no art. 2º CPTA, ao determinar que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”. 
Esta tutela judicial efetiva é assegurada numa tripla dimensão. Seja, em primeira linha, quanto à disponibilidade de ações ou meios principais adequados, ou seja no plano cautelar quanto às providências indispensáveis para a garantia da utilidade das sentenças, ou por último no plano executivo quanto às providencias indispensáveis para a garantia da efetividade das sentenças. Por isso, o princípio aparece densificado, na exemplificação, no referido preceito, de algumas das pretensões admissíveis, completada na enumeração dos possíveis objetos de litígios feita (em grande medida com repetição no artigo 2º) a propósito dos diversos processos principais (art. 37º nº1), bem como às providências cautelares (art. 112º nº2) e aos processos executivos (art. 162º e ss.). 
O contencioso administrativo português não é subjetivista puro, ou seja, não visa apenas salvaguardar direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Existe, com efeito, alguma dimensão do contencioso administrativo português que não é explicada pela ideia de tutela jurisdicional efetiva. Por exemplo, na ação pública temos um domínio de puro controlo da legalidade administrativa, e há casos em que mesmo quando é um particular a impugnar um ato administrativo, não se exige a titularidade de nenhum direito subjetivo, estando em causa o critério do interesse. Tendo isto em mente, o Prof. Sérvulo Correia fala num princípio de efetividade da tutela, que não se resume à tutela jurisdicional efetiva no sentido de proteção de direitos subjetivos dos particulares. Temos uma efetividade da tutela no que diz respeito à legalidade. Se o Ministério Público tem a função constitucional de defesa da legalidade objetiva, então o Ministério Público tem que ter ao seu dispor meios, poderes e direitos de intervenção processual que lhe permitam obter efetivamente a tutela da legalidade que procura defender. Do mesmo modo, o Prof. Sérvulo Correia afirma que vigora uma tutela da efetividade jurisdicional de interesses difusos. Ou seja, não se pode falar em tutela jurisdicional efetiva apenas no que diz respeito à salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Para além disso referir que a constituição não protege apenas a efetividade da tutela de direitos subjetivos, mas também a tutela da legalidade e de interesses difusos (i.e., saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural, bens do domínio público). 
Adicionalmente, embora a tutela jurisdicional efetiva seja geralmente referida à posição do demandante, na realidade, este ponto de vista é restritivo pois os demandados também têm direito à tutela jurisdicional efetiva. Hoje em dia, o CPTA tem uma enorme preocupação com a tutela jurisdicional efetiva. Por exemplo, o Prof. Salgado de Matos entende que daqui decorre um grande problema de sobrevalorização da posição jurídica dos particulares que deixa de parte o interesse público que a administração visa prosseguir. A pretensão absolutória da administração pública que é a prossecução do interesse público, não pode ser desvalorizada e tem que ter a sua tutela no processo. Não se pretende, com isto, pôr o tribunal a estabelecer obstáculos às pretensões dos particulares em nome do interesse público. O que se pretende é, sim, que, sendo a posição da administração aquela que deve proceder, que a mesma veja o seu interesse protegido. Para o Prof. Salgado de Matos observou-se uma contaminação ideológica liberal do contencioso administrativo que praticamente eliminou a consideração do interesse público no mesmo. Para este a revisão do CPTA restaurou, em grande parte, o equilíbrio, mas não integralmente. 
Por exemplo, uma entidade pública reguladora, competente para a emissão de determinadas permissões para o exercício de certas atividades privadas, indeferiu o pedido de renovação por parte de uma entidade privada. O indeferimento da renovação implicava a caducidade da autorização anterior. Ora, o particular pediu a suspensão do ato de indeferimento. O tribunal decidiu decretar provisoriamente a providência cautelar (art. 131º CPTA). O decretamento provisório de uma providência cautelar permite a não consumação do efeito lesivo do ato administrativo, e é conferida na perspetiva de, mais tarde, vir a ser proferida uma sentença favorável ao autor. O problema aqui é que se criou uma situação de grave intrusão para o interesse público. Neste caso concreto, a pretensão do autor era claramente ilegal, e não há nenhuma consideração do interesse público. Logo, este mecanismo predispõe-se a um uso completamente abusivo. Para o Prof. Salgado de Matos, a possibilidade de decretamento de uma providência cautelar provisória é absurda. Não se percebe porque a tutela dos particulares perante a administração tenha de ser mais intensa do que a tutela de um particular perante outro particular. Não há motivo para que a administração tenha um estatuto diminuído no processo. 

Implicações nas formas de processo e na cumulação de pedidos 

As formas de processo principal

A ação administrativa

O CPTA optou, em 2002, em vez do anterior modelo tipificado de meios processuais principais, por estabelecer uma forma de processo comum e prever alguns processos especiais, em referência aos quais agrupou as várias espécies de pedidos suscetíveis de serem apresentados perante a jurisdição administrativa. Ainda assim, manteve-se um modelo dual, distinguindo entre: uma forma administrativa comum de processo (a ação administrativa comum) aplicável a todos os litígios cuja apreciação se inscrevesse no âmbito da jurisdição administrativa que, nem no CPTA, nem em legislação avulsa, fossem objeto de regulação especial; e uma ação administrativa especial, que englobava três tipos fundamentais de pedidos: a impugnação de atos, a condenação à prática de ato legalmente devido, a impugnação e a declaração de ilegalidade da omissão de normas -, e era regulada especificamente pelo CPTA e só subsidiariamente pelo CPC. A diferença entre as duas formas de processo dependia de estar, ou não, em causa a prática ou a omissão de manifestações de poder público, o que significa que continuava a pensar-se afinal, pelo menos em certa medida, continuando a tradição dos sistemas euro-continentais, num regime especial para o domínio das decisões administrativas, em razão do exercício formal de poderes unilaterais de autoridade. Por outras palavras, o critério decisivo para a distinção entre os dois domínios de regime processual parecia ser o da existência, ou não, de uma relação jurídica tendencialmente paritária entre as partes. Haveria um regime especial nos casos em que, na relação material controvertida, se afirmasse a autoridade de uma das partes sobre a outra, em regra, da Administração sobre o particular. 
Note-se, porém, que os pedidos que compunham a ação administrativa especial (a impugnação de atos, a condenação à prática de ato legalmente devido, a impugnação e a declaração de ilegalidade da omissão de normas) dispunham, cada um deles, de um conjunto apreciável de regras específicas, sobretudo quanto aos pressupostos processuais e ao conteúdo e efeitos das sentenças, que os aproximava de verdadeiros meios principais autónomos, embora tivessem, nos aspectos essenciais, uma tramitação comum, basicamente contraposta à do processo civil, que regulava os pedidos na ação administrativa comum. 
Ora, uma das mais significativas mudanças operadas em 2015, foi precisamente a abolição do regime dualista das ações administrativas, passando todos os processos não urgentes do contencioso administrativo a tramitar sob uma única forma de ação, designada como “ação administrativa”. A justificação da medida consta do preâmbulo do DL nº214-G/2015, de 2 de Outubro (há que ver essa justificação para compreender como esta medida se configura de acordo com a tutela jurisdicional efectiva).

Processos urgentes

A par da ação administrativa, continua a admitir-se a existência de processos principais urgentes (arts. 97º e seguintes), que abrangem três tipos de ações administrativas urgentes: as relativas ao contencioso eleitoral, as relativas aos procedimentos de massas e as relativas ao contencioso pré-contratual. 
Há ainda dois tipos de intimações: as para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e as para proteção de direitos, liberdades e garantias.

Ações administrativas avulsas

São aquelas que não são reguladas no CPTA, mas constituem ou podem vir a constituir objeto de regulação especial em legislação avulsa. Por exemplo, as ações para declaração de perda de mandato local (Lei nº27/96 de 1 de Agosto), as intimações judiciais da autoridade competente para proceder ao cumprimento do dever de decisão e a intimação judicial para emissão de alvará, ou por exemplo, a ação de indemnização contra magistrados (arts. 967º e ss. CPC).

Ações populares

As ações populares não são concebidas pelo CPTA como tipos especiais de ações, mas como espécies qualificadas relativas aos vários tipos de ações, embora não possa ignorar-se que a Lei nº83/95 (i.e., Lei da Ação Popular – LAP) estabelece, para as hipóteses aí previstas, mais que as adaptações necessárias, algumas regras particulares relativamente aos regimes próprios de cada um dos meios processuais. A primeira é a ação popular local é uma espécie qualificada das impugnações de atos administrativos, admissível apenas relativamente a esse pedido (art. 55º nº2 CPTA). Corresponde a um puro e simples alargamento da legitimidade impugnatória, visto que a dimensão comunitária típica da ação popular não se manifesta necessariamente nos valores ou interesses defendidos, bastando-se com o vínculo de pertença à autarquia local. Outra é a ação popular social (art. 9º nº2 CPTA) que já pode tomar qualquer das formas e integrar qualquer dos pedidos principais previstos pelo CPTA. Assim, poderão propor-se ações administrativas populares ou processos urgentes populares – designadamente, impugnações de atos ou documentos pré-contratuais e intimações para prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões. Esta ação tanto pode ser proposta por quaisquer cidadãos como por associações ou fundações defensoras de interesses, pelas autarquias locais ou pelo MP. É, verdadeiramente, uma acção que serve para defender interesses difusos propriamente ditos, enquanto interesses comunitários , como para defender interesses coletivos e, aparentemente, até interesses individuais homogéneos, daí que a admissibilidade da ação não dependa apenas da legitimidade, mas também do interesse em agir próprio de cada figura. De referir, porém, que se os cidadãos podem defender quaisquer interesses, as associações e fundações só podem defender interesses coletivos ou difusos incluídos nos respetivos fins, as autarquias locais apenas podem defender interesses coletivos ou comunitários no âmbito das suas atribuições e relativos ao seu território, e o MP apenas pode, em regra, defender os valores comunitários enquanto interesses públicos ou direitos fundamentais. 

A cumulação de pedidos

A cumulação de pedidos é uma faculdade que assiste ao interessado e que ele é, portanto, livre de optar por exercer ou não. É uma figura admitida com grande abertura no art. 4º CPTA, representou, em 2002, uma real transformação do sistema da justiça administrativa, visto que, superando os obstáculos da diferença de competência ou de trâmite, permite ultrapassar, na maior parte dos casos, as limitações e as consequências nefastas que podiam apontar-se à rigidez dos meios processuais, designadamente quanto à obtenção de uma decisão que confira aos particulares uma tutela efetiva e em tempo útil. O CPTA passou a admitir a possibilidade de cumular pedidos, mesmo quando aos pedidos cumulados correspondam diferentes formas de processo ou tribunais de hierarquia distinta, o que permitia obter, por exemplo, juntamente com a anulação de um ato, não só a condenação à prática do ato devido, mas também a reconstituição da situação hipotética, a anulação de um contrato celebrado, o reconhecimento de um direito, uma condenação na adoção ou abstenção de uma conduta, ou uma indemnização, quando anteriormente era necessário utilizar vários meios, em tempos sucessivos, com condições processuais diversas, por vezes em diferentes tribunais. Com a eliminação da dualidade das ações, decorrente da revisão de 2015, as referidas cumulações não envolvem já diferentes formas de processo, mas tramitações distintas dos diversos pedidos. 
O princípio da livre cumulabilidade de pedidos está consagrado no art. 4º CPTA. Resulta deste princípio que os diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos perante os tribunais administrativos não têm de ser artificialmente associados a meios processuais separados entre si, mas podem ser deduzidos em conjunto, no âmbito de um só processo, desde que exista uma conexão entre os pedidos deduzidos, resultante do facto de a respetiva causa de pedir ser a mesma e única ou de os pedidos estarem entre si numa relação de prejudicialidade e dependência, ou do facto de a procedência dos pedidos principais depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas (art. 4º nº1). São, assim, meramente exemplificativos os elencos de cumulações possíveis que, a título indicativo, o CPTA enuncia no art. 4º nº2. 
O art. 5º nº1, na nova redação, mantém o princípio da cumulação independentemente da forma, permitindo expressamente a cumulação com pedidos a que correspondam formas de ação administrativa urgente – nesses casos, devem aplicar-se as normas do processo urgente, com as adaptações necessárias, “devendo as adaptações que impliquem menor celeridade do processo cingir-se ao estritamente indispensável”. Acresce que a ideia da cumulação de pedidos não se manifesta apenas no momento inicial da proposição da ação, também se prolonga ao longo da vida do processo, admitindo-se vários propósitos, a cumulação sucessiva, apesar de implicar a modificação objetiva da instância. É o que acontece com a faculdade de ampliar o pedido de impugnação de um ato a novos atos ou a contratos conexos que sejam entretanto praticados ou celebrados, designadamente na sequência do procedimento e cuja validade dependa da validade do ato impugnado. E a mesma ideia está na base da cumulação do pedido de condenação à prática de ato devido com o de anulação de um ato de (in)deferimento parcial praticado na pendência do processo, ou de alargamento da causa de pedir em caso de indeferimento. 
Mesmo do ponto de vista processual, favorece-se a ideia da cumulação através da apensação de processos autónomos, quando se verifiquem os pressupostos da cumulação de pedidos (ou da coligação de autores), salvo se o estado dos processos ou outra razão torne especialmente inconveniente a apensação. Nesse sentido talvez se possa afirmar que a cumulação de pedidos constitui, associada ao alargamento da proteção cautelar, a mudança mais significativa que a reforma de 2002 produziu para assegurar um acesso efetivo dos particulares à justiça administrativa, implicando uma maior capacidade de adaptação do juiz para adequação do processo às necessidades práticas. Claro que a cumulação pode ter como consequência uma menor celeridade dos processos, que é suscetível de prejudicar o próprio autor, designadamente quando dela resulte uma maior complexidade da instrução. Trata-se, por isso, de uma faculdade que deve ser utilizada estrategicamente pelo autor, em função das suas expectativas perante as circunstâncias do caso.

Bibliografia sumária: 

José Carlos Vieira de Andrade; Mário Aroso de Almeida; Vasco Pereira da Silva; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos;


Afonso Virtuoso

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