PODERES DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS: o regime do artigo 3º do CPTA
Dando um grande passo atrás no nosso estudo do
Contencioso Administrativo português, não deixa de ser pertinente, como o é
sempre, refletir brevemente acerca da real natureza e extensão dos poderes, ainda
que em termos gerais, dos tribunais administrativos, de que aliás, e como não poderia deixar de ser, tanto temos
falado. O melhor ponto de partida é, sem dúvida, o artigo 3º do Código de
Processos nos Tribunais Administrativos (CPTA), de epígrafe, bem a propósito, “Poderes
dos tribunais administrativos”.
Juntamente com o artigo 2º, que desenvolve o princípio
da tutela jurisdicional efetiva (dos particulares perante a Administração),
este artigo 3º, desenvolvendo o princípio da plena jurisdição dos tribunais
administrativos, é um dos pilares em que o presente Código assenta e exprime a
filosofia que, verdadeiramente, lhe está subjacente. No seu artigo 3º, o Código
consagra aos tribunais administrativos, inquestionavelmente, o estatuto de
verdadeiros tribunais, “de corpo inteiro”, dotados de plenos poderes inerentes
ao cabal exercício da função judicial.
O sentido do artigo 3º é, claramente, de reforço dos
poderes dos tribunais administrativos, para além do que já foi dito, e é
precisamente por isso que o legislador tem o cuidado de, desde logo, no seu nº1,
colocar o “acento tónico” nos limites que necessariamente se impõem ao
exercício desses poderes. Como já referi, o Código vem conferir aos tribunais
administrativos todos os poderes que são próprios, e aliás naturais, do
exercício da função judicial, fazendo com que estes tribunais passem também a
ser, agora, como já o eram todos os outros, dotados de poderes de plena
jurisdição. Mas, e como não poderia deixar de ser, tal como todos os outros,
também estes tribunais administrativos existem para aplicar a lei e o Direito,
pelo que os seus poderes terminam onde termina o campo de aplicação da lei e do
Direito. Isto significa que os tribunais administrativos não se podem
substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não
terem caráter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a
conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da
discricionariedade administrativa.
Para além deste, existem, espalhados pelo Código,
vários outros preceitos que concretizam as ideias, e mesmo o princípio,
plasmadas neste artigo. Por exemplo, o artigo 95º/3, no domínio da determinação
do conteúdo das medidas a adotar para reconstituir a situação que deveria
existir na ausência do ato administrativo ilegal, bem como, alternativamente, o
artigo 179º/1, quando se trata de proceder a essa mesma determinação no âmbito
do processo de execução das sentenças de anulação de atos administrativos, para
não falar já do artigo 71º/2, preceito este da maior importância no “frágil”
domínio da condenação à prática de atos administrativos.
O nº2 do artigo 3º, mais que um preceito com conteúdo
verdadeiramente operativo, por assim dizer, contém uma afirmação do princípio
da plena jurisdição dos tribunais administrativos. Com efeito, aqui se afirma
que os tribunais administrativos têm o poder de fixar oficiosamente um prazo
para o cumprimento dos deveres que imponham à Administração, assim como de
aplicar, “quando tal se justifique”, sanções pecuniárias compulsórias aos
titulares dos órgãos responsáveis pelo cumprimento.
Entretanto, é importante sublinhar que o poder de
impor sanções pecuniárias compulsórias pode ser exercido oficiosamente, solução
que acompanha o modelo francês das “astreintes”
e, nesse sentido, visa dotar os tribunais administrativos de um instrumento
dirigido a assegurar a imperatividade das suas decisões sobre as autoridades
administrativas; o que não impede, naturalmente, por parte dos interessados, a
dedução de pedido dirigido ao exercício desse poder pelo tribunal.
Por outro lado, e como também refere o artigo 3º/2, a imposição,
nestes termos, de sanções pecuniárias compulsórias só poderá ter lugar “quando
tal se justifique”. A este propósito, cumpre ter presente que, no momento em
que o tribunal condena a Administração, ainda não houve, em bom rigor, incumprimento
de uma decisão judicial. Neste contexto, a imposição de uma sanção pecuniárias
compulsória apenas pode ter, de facto, lugar a título preventivo, com o intuito
de evitar a constituição de uma situação de eventual incumprimento no futuro.
Tal imposição, por imperativos materiais de Justiça que facilmente podemos
compreender, só deve ocorrer, no limite, e mais uma vez, “quando tal se
justifique”, ou seja, quando o tribunal disponha de razões objetivas, fundadas
na conduta processual e extraprocessual desenvolvida até ao momento, que o
levem a admitir como possível ou mesmo provável que os titulares dos órgãos
competentes para cumprir a sentença venham a opor resistência ao respetivo
cumprimento.
Assim, afigura-se que sempre que um tribunal
administrativo condene uma entidade pública, ele dispõe, tanto do poder de
fixar o prazo dentro do qual a sua decisão deve ser cumprida, como do poder, “desde
que tal se justifique”, de, logo na sentença de condenação, impor também uma
sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos competentes para o
cumprimento, nos termos do artigo 169º. É isto que, sucintamente, proclama o
artigo 3º/2. Tal, não deixa de ser importante notar, consubstanciou, à data da
entrada em vigência do novo Código, uma verdadeira inovação, profunda e de
grande significado, no contexto do nosso Direito processual administrativo.
Tal como sucede com o nº2, o nº3 do artigo 3º do CPTA,
mais que um preceito com conteúdo operativo, em sentido próprio, contém uma
afirmação de princípio. Nesta senda, o que nele se estabelece é retomado, em
sede própria, neste caso no Título VIII do Código, parte do diploma que regula
os novos processos executivos, e, mais concretamente, no seu artigo 167º (em
especial, os seus nº5 e nº6), no que se refere aos concretos poderes de
execução a que o artigo 3º/3 faz expressa referência na sua segunda parte.
Neste caso, à semelhança do que tem vindo a acontecer,
a previsão do nº3 reveste-se do maior interesse, na medida em que vem chamar a
atenção para um outro dos aspetos mais importantes e inovadores do Código: a
introdução, à data, pela primeira vez no nosso contencioso administrativo, de
verdadeiros processos executivos que, assegurando aos interessados a execução
das decisões de que sejam beneficiários, se concretizam num importantíssimo
reforço dos poderes de que dispõem os tribunais administrativos, na medida em
que lhes conferem o poder de executar ou fazer executar as decisões que
proferem. Com especial destaque, precisamente, para o novo poder que aos
tribunais administrativos é conferido, no artigo 167º/6, de se substituírem à
própria Administração, em sede executiva, na produção de efeitos jurídicos que
ela devesse introduzir através da prática de atos administrativos de conteúdo
vinculado.
O nº4 do artigo 3º do CPTA foi só introduzido mais tarde,
fruto de revisão, em jeito de concretização de todo o regime elencado nesta
norma. No seguimento de tudo o que foi dito até agora em sede desta exposição,
os tribunais administrativos asseguram a execução das sentenças por eles
proferidas (até mesmo daqueles que proferem contra a própria Administração), em
termos gerais, seja através da emissão de uma sentença que produza os efeitos
do ato administrativo que era devido, isto, ressalve-se, quando a prática e
conteúdo desse mesmo ato forem estritamente vinculados; seja providenciando a
concretização material da sentença e de tudo aquilo que nela foi determinado.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de &
Cadilha, Carlos Alberto Fernandes (2017) “Comentário ao Código do Processo nos
Tribunais Administrativos”
ALMEIDA, Mário Aroso de (2017)
“Manual de Processo Administrativo”
SILVA, Vasco Pereira da (2016) “O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as Ações no
novo Processo Administrativo”
Aluno: António Saraiva Santos e Silva
Número: 140114060
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